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Do Maine à Califórnia, enfermeiras, estudantes, movimentos de HIV/AIDS e ativistas comunitários foram às ruas para exigir que o Congresso dê uma resposta à luta por justiça econômica de Martin Luther King Jr., aprovando projetos de lei que criam um tributo sobre a especulação financeira e assim obtêm recursos para reverter a desigualdade.
A homenagem ao legado de Martin Luther King Jr., neste 4 de abril 46º aniversário de seu assassinato , não poderia ter sido mais justa. Em várias cidades dos EUA Chicago, Detroit, Nova York, Boston e Los Angeles, entre outras ativistas da Campanha Robin Hood demandaram que o Congresso tribute as transações financeiras para gerar recursos para o desenvolvimento humano e ambiental.
Muitas vozes foram ouvidas nas demonstrações em favor do Ato de Prosperidade Inclusiva (HR 1579), projeto de lei do parlamentar democrata Keith Ellison, de Minnesota, pela taxação das transações financeiras, ou Taxa Robin Hood.
Este é um dia sagrado, disse Ellison. Um dia em que a América relembra Martin Luther King Jr. Foi nesse dia que foi assassinado, há 46 anos, enquanto estava em Memphis prestando apoio aos trabalhadores do saneamento da cidade, como parte de uma campanha para a justiça do trabalhador e para combater a pobreza.
Como disse o próprio Martin Luther King: Esta é a oportunidade da América reduzir a desigualdade entre os que têm e os que não têm. A questão é se o país fará isso. Não há nada de novo a respeito da pobreza. O que é novo é que agora temos a tecnologia e os recursos para nos livrar da pobreza. A questão é se temos vontade política para fazer isso.
De fato, o fosso entre os que têm e os que não têm está maior do que nunca. Durante a recuperação da crise, em 2009-2010, por exemplo, a renda dos mais ricos cresceu 11,6%, enquanto todo o resto da população viu sua renda crescer 0,2%. Pior ainda, há um conluio no Congresso com o 1% para manter as coisas como estão. A capital da nação está indo na direção errada, politica e monetariamente.
Organizada com a participação da União Nacional das Enfermeiras, maior sindicato e organização profissional de enfermeiras registradas do país, a ação teve como alvo vinte e cinco membros do Congresso em onze estados, fazendo vigílias nos escritórios dos legisladores. A mensagem é simples: Aprove a Taxa Robin Hood. Afinal, pergunta Ellison, A América não passou o prato quando Wall Street precisou de ajuda? Wall Street tem uma dívida conosco.
Precisamos de recursos, não de uma medida de austeridade após a outra, diz Charles Idelson, diretor de comunicação da União das Enfermeiras. A última coisa de que o povo norte-americano necessita é de mais austeridade. Grande parte do país ainda está em recessão. Os recursos podem ser arrecadados por uma Taxa Robin Hood.
Idelson lembra que, enquanto você e eu pagamos tributos sobre nossas transações diárias, Wall Street não paga nada sobre transações especulativas, algumas das quais podem não durar mais que três milésimos de segundo. A Taxa Robin Hood tributa aqueles mercados, e com isso pode levantar 350 bilhões de dólares por ano.
Por que Wall Street? Idelson invoca o ladrão de bancos Willie Sutton: Uma sociedade verdadeiramente justa é a questão candente do nosso tempo. Se algum dia resolvermos enfrentar essa questão, temos de obter recursos adicionais. Devemos ir aonde está o dinheiro. Wall Street foi recompensado por destruir nossa economia com resgates e bônus. A Taxa Robin Hood exige que eles deem um pouco de volta à sociedade."
É conhecida a fábula do sapo que levou nas costas o escorpião que lhe pediu carona para atravessar um rio. De início, o anfíbio, temeroso, quis saber se o artrópode não fincaria nele o poderoso ferrão, injetando seu veneno letal. O escorpião garantiu que não alegou que, se o fizesse, o sapo morreria e ambos acabariam no fundo do rio. O sapo aceitou a argumentação e concordou em levá-lo. No meio do trajeto, porém, sentiu a dolorida ferroada. Já agonizante, inquiriu o escorpião sobre sua promessa. O que posso fazer? Não consigo fugir à minha natureza, ouviu como resposta.
Essa narrativa diz muito a respeito do chamado escândalo de manipulação da London Interbank Offered Rate (Libor), considerada uma das mais importantes taxas de juros internacionais. As denúncias sobre a manipulação surgiram há cerca de seis anos e há dois voltaram à tona com o anúncio de punições a infratores. No início do mês passado, a definição da Libor saiu das mãos da poderosa Associação dos Bancos Britânicos (BBA, na sigla em inglês) e passou a ser de responsabilidade de um gigantesco conglomerado financeiro privado.
A Libor é adotada desde 1986 como referência para contratos financeiros no mundo todo. Estima-se que esses contratos, hoje, cheguem a um montante de 800 trilhões de dólares. A taxa na verdade, um conjunto de variadas taxas, com diferentes prazos e calculadas em diferentes moedas é fixada diariamente a partir de propostas apresentadas por um comitê formado por representantes de bancos selecionados, parte dos quais se envolveu na manipulação.
A BBA funciona num edifício de aparência austera e elegante na City de Londres, um dos três mais importantes centros financeiros globais, ao lado de Nova York e Hong Kong. A City ocupa mais ou menos três quilômetros quadrados, onde residem cerca de 7 mil pessoas e trabalham mais de 300 mil, em bancos, corretoras, seguradoras e toda espécie de serviços associados a atividades financeiras.
A City possui características peculiares: tem autonomia política e administrativa, com governo e polícia próprios. A área tem centenas de instalações bancárias, incluindo as sedes de diversas instituições. Ficam ali também a Bolsa de Valores e o Banco da Inglaterra (o correspondente ao banco central britânico). Nela funciona o maior mercado de câmbio do mundo, em que são negociados contratos em moedas de todo o planeta. A City tem uma história de 20 séculos há registros sobre a área no início da era cristã , enquanto a da BBA ainda não completou cem anos: a instituição foi fundada em 1919. Foi revitalizada no início da década de 1970, quando da profunda mudança no sistema monetário internacional, provocada em 1971 com o abandono, pelos EUA, da paridade estabelecida no final da Segunda Guerra Mundial entre o dólar americano e o ouro, e o crescimento exuberante do mercado de eurodólares.
Décadas mais tarde, a associação, que congrega 240 bancos e instituições financeiras de todo o mundo estabelecidos em Londres, viu-se envolvida num escândalo, deflagrado em abril de 2008, quando o prestigiado diário americano Wall Street Journal(WSJ) publicou artigo levantando suspeitas de manipulação da Libor.
As investigações começaram a ser feitas nos EUA e no Reino Unido a partir de denúncias que envolviam a atuação do banco britânico Barclays, punido em junho de 2012 com multas que chegaram a 290 milhões de libras esterlinas, após seus dirigentes admitirem ter manipulado a Libor desde 2005. A União Europeia (UE) também investigou o caso e no final de 2012 considerou que alguns bancos deveriam ser punidos pela manipulação. Sete instituições europeias e americanas Deutsche Bank, Société Générale, Royal Bank of Scotland, JP Morgan Chase, Citigroup, UBS e o próprio Barclays aceitaram fazer um acordo com a UE e pagaram, no total, 2,3 bilhões de dólares em multas.
O artigo publicado pelo WSJ refere-se à suspeita de que bancos, num determinado período, em meio à enorme crise financeira desencadeada pelo mercado de hipotecas americano, estariam informando para efeito de definição da Libor taxas injustificadamente baixas, se comparadas com as que realmente praticavam. Uma razão de esses bancos agirem de tal maneira seria, de acordo com o jornal americano, para disfarçar problemas de caixa que enfrentavam naquela ocasião. Outra razão seria que os bancos estariam propondo taxas favoráveis a seus próprios contratos de derivativos contratos cujos pagamentos futuros são calculados com base numa variável, como taxa de câmbio, taxa de juros, cotação de uma mercadoria em bolsa, por exemplo de forma articulada entre si e com seus corretores.
Luiz Gonzaga Belluzzo, que figura no rol de economistas que a presidente Dilma Rousseff costuma consultar, avalia que a punição aos bancos ocorreu principalmente por esse segundo motivo. Há emails trocados entre os responsáveis pela definição da Libor e os corretores de seus derivativos e entre os bancos. Eles estavam combinando as taxas e avisando seus corretores, que estavam fazendo posições com os derivativos. Se a expectativa do mercado era de que a Libor subisse, eles manipulavam para ser fixada uma Libor mais baixa, ganhando dinheiro. Eles manipulam desde sempre, o tempo todo, é da natureza do processo, diz o professor universitário e diretor das Faculdades de Campinas.
A própria forma como é fixada a Libor facilita a manipulação. Em meados do ano passado, seu cálculo era feito em dez moedas e quinze prazos de vencimento diferentes, num total de 150 valores de taxas de juros utilizadas em todo o mundo como veremos adiante, essa sistemática mudou a partir de dezembro. Para definir essas taxas, a BBA criou um painel com dezesseis bancos selecionados.
Diariamente, às 11 horas, dirigentes desses bancos respondiam a uma pergunta: Se lhe fosse pedido, a que taxa você emprestaria dinheiro num mercado de ofertas interbancárias de tamanho razoável, imediatamente antes das 11 horas?. Cada banco participante fazia suas propostas correspondentes às 150 taxas. Para definir apenas um índice para cada uma delas, a BBA trabalhava em parceria com a Thomson Reuters, empresa de informação internacional de grande prestígio. A Thomson Reuters recebia as 2,4 mil propostas, calculava e divulgava as taxas às 11h45. O cálculo era feito da seguinte forma: as 25% maiores e as 25% menores propostas para cada taxa eram desprezadas e cada uma das 150 Libor resultava da média das oito propostas restantes.
José Carlos Santos, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo, diz que o que mais facilitou a manipulação da Libor foi o fato de tratar-se de uma taxa estimada de forma muito subjetiva, ao contrário das demais taxas que orientam os negócios do mercado financeiro, obtidas em transações reais. São 150 taxas todos os dias e nem sempre todos os bancos realizaram transações com todas essas moedas para todos os prazos, diz. No Brasil, a exemplo de outros países, a taxa do mercado interbancário como é o caso da Libor é estabelecida por uma média das taxas praticadas. A grande maioria desses empréstimos é feita com base em títulos do Tesouro Nacional e utiliza a taxa Selic (ver No mundo do dinheiro graúdo, Retrato do Brasil número 60, julho de 2012). Uma parcela bem menor não utiliza os títulos do Tesouro como base e a taxa média dessas operações forma uma outra taxa de juros, a DI (sigla que vem de depósitos interfinanceiros), utilizada nos empréstimos a clientes em operações que utilizam certificados de depósitos bancários (CDBs) e como referência para a emissão de debêntures (títulos emitidos por empresas), entre outras aplicações.
A Libor tem, segundo Santos, o mesmo papel da DI: embora as taxas de juros de títulos dos principais países sejam uma referência importantíssima, a taxa fixada na City expressa a lógica de negociação dos ativos privados. De acordo com Belluzzo, é o que exprime o estado de percepção de liquidez e de risco dos mercados, denota o grau de confiança entre os bancos. Sendo uma taxa de referência, segundo ele, quando se faz uma operação de títulos no mercado internacional, ao definir a taxa de juros, se pensa na Libor e mais alguma coisa.
Mas por que a Libor se tornou tão importante? No final dos anos 1960, quando os sistemas financeiros eram basicamente nacionais e muito regulados, surgiu em Londres o euromercado, diz Belluzzo. Bancos americanos começaram a operar no mercado londrino com os capitais das empresas americanas que se estabeleceram na Europa depois da Segunda Guerra, para escapar da rígida regulação financeira americana. Eles criaram esse espaço de operações chamado euromercado, com dólares depositados fora dos EUA. A City de Londres se transformou no centro financeiro internacional. Essa é a primeira etapa da globalização financeira, conclui Belluzzo.
Um artigo de Ramaa Vasudevan, professora assistente de economia da Colorado State University, publicado pela revista americana Monthly Review em janeiro do ano passado, também ajuda a entender o caso. Ela lembra que o mercado de eurodólares também foi o canal por onde fluíram os superávits dos países exportadores de petróleo, ampliados com a elevação dos preços do barril da commodity na mesma época. A Libor, segundo ela, tem origem nessa explosão dos fluxos financeiros privados no sistema monetário internacional e no crescimento do neoliberalismo, que aos poucos eliminou a rígida regulação do sistema financeiro que emergiu com o final do segundo conflito mundial.
Em 1979, quando Paul Volcker, então presidente do Fed, promoveu uma súbita e expressiva elevação das taxas de juros para conter a elevação da inflação e atrair capitais para diminuir o déficit em seu balanço de pagamentos, os EUA sinalizaram que a abertura e a integração financeiras eram a saída para os graves problemas que os americanos tinham enfrentado durante aquela década. A decisão afetou profundamente as dívidas das nações do Terceiro Mundo e fez eclodir uma crise em 1983, quando países que, como o Brasil, tomaram empréstimos com taxas de juros baixíssimas porém variáveis em razão da abundância de capitais viram-se na situação de pagá-los quando as taxas foram às alturas. A manobra de Volcker também repercutiu seriamente no mercado internacional de títulos, uma vez que os papéis do Tesouro americano passaram a pagar juros muito altos, provocando grandes perdas para instituições financeiras que tinham em carteira títulos remunerados com taxas mais baixas ou tinham que pagar títulos com taxa variável.
Como a taxa de juros americana trazia um forte componente de instrumento da política monetária dos EUA, o mercado passou a buscar outra referência para os negócios privados. É nesse contexto que a Libor se mostrou como alternativa, já em meados da década de 1980. A taxa existia desde muito antes, mas, ao ser definida como referência internacional para a negociação de títulos de diferentes tipos, prazos de vencimento e moedas, tornou-se amplamente utilizada, exatamente no momento em que o mercado financeiro internacional passava por um processo de crescimento sem precedentes, com a criação de inúmeros tipos de produtos negociados globalmente, apoiado também na possibilidade de realização de transações instantâneas, proporcionada pelo desenvolvimento e propagação das redes de computadores.
De forma geral, a Libor sempre acompanhou as taxas de juros dos títulos do Tesouro americano (treasuries), apresentando valores um pouco mais altos, entre meio e um ponto percentual. Houve ocasiões em que essa diferença se ampliou, refletindo-se principalmente nas crises de liquidez, mas nos momentos de calmaria as duas taxas caminharam paralelamente, expressando a política monetária americana, que, por sua vez, responde ao desempenho da economia americana e global.
Quando, no entanto, teve início a crise financeira americana mais recente, em agosto de 2007, a Libor se descolou dos treasuries e a diferença entre as taxas se ampliou para entre quatro e cinco pontos percentuais, sinal da falta de crédito no mercado. Mas, pouco depois entre o início de janeiro e meados de março de 2008 , houve um período em que as duas taxas se reaproximam, o que dá a impressão de que a Libor foi, propositadamente, puxada para baixo. Pouco antes da denúncia doWSJ, a diferença voltou a se ampliar.
As investigações sobre a manipulação da Libor abrangem um período que vai de 2005 a 2009. Segundo o diário britânico Financial Times, de grande prestígio na área econômico-financeira, desde o início de 2005 havia evidências de que o Barclays tentou manipular as taxas da Libor para dólar, a pedido de seus negociadores de derivativos e de outros bancos. O jornal publicou uma espécie de cronologia do escândalo, citando aqui e ali trechos de correspondência entre bancos e do Barclays com autoridades britânicas envolvidas nas investigações. Um dos representantes que faziam as propostas pelo Barclays escreveu num e-mail: As Libors não estão refletindo o verdadeiro custo do dinheiro. A Commodity Futures Trading Comission, entidade de regulação americana, informou em dezembro de 2007 que o empregado responsável pela proposta das taxas do Barclays para a Libor contatou a comissão para dizer que o banco não estava propondo taxas honestas, e há vários trechos que mostram envolvimento de outros bancos e evidências de que altas autoridades do governo britânico tinham conhecimento dos fatos.
Ao mesmo tempo, uma comissão criada pelo governo do Reino Unido estudou procedimentos de segurança a serem adotados e foi aberto um processo de seleção para escolher outra instituição para coordenar a produção da taxa diariamente. A eleita foi a ICE Benchmark Administration Limited (IBA), empresa do grupo Intercontinental Exchange (ICE), criado em 2000 para desenvolver um centro de negócios na área de energia, que adquiriu a Bolsa Internacional de Petróleo no ano seguinte. Em 2008, a ICE lançou uma subsidiária, a ICE Clear Europa, primeira clearing house (casa de custódia de títulos fi nanceiros) do Reino Unido em um século, a qual, no ano seguinte, iria se tornar a líder mundial nesse segmento.
No ano passado, em meio ao desfecho da crise da Libor, a ICE comprou a Nyse Euronext, negócio que anteciparia uma brutal concentração na área dos negócios financeiros, completada no início deste ano, quando adquiriu a Bolsa Mercantil de Cingapura, expandindo sua rede para a Ásia. Para se ter uma ideia da amplitude dessas ações, é preciso levar em conta a trajetória da própria Nyse Euronext, fruto da fusão, ocorrida em 2007, da Bolsa de Valores de Nova York (Nyse, na sigla em inglês) com a Euronext, formada em 2000, por sua vez, pela junção das bolsas de Amsterdã, Bruxelas, Paris e Lisboa. Àquela altura, a Nyse havia adquirido, em 2002, a Bolsa Internacional de Valores e Futuros de Londres (Liffe, na sigla em inglês) e, seis anos mais tarde, comprado a Amex (American Stock Exchange).
Com todo o poder, a ICE, por meio da IBA, assumiu a administração da Libor no início de fevereiro e divulgou suas primeiras cotações sob nova direção. Desde o final do ano passado, os 150 cálculos diários da taxa foram reduzidos a 35 (cinco moedas e sete prazos). Até meados do mês passado nada havia sido alterado quanto à metodologia diária de cálculo, mas a ICE promete adotar em breve mecanismos mais transparentes, acatando as propostas do governo britânico.
A substituição da BBA pela IBA é baseada no argumento de que não é bom que os próprios bancos definam a Libor eles têm interesses muito diretos no valor da taxa, o que cria um ambiente propício à manipulação.
Mas será que a ICE não tem interesses ligados à Libor, dado o grau de interligação entre os diversos tipos de aplicações financeiras? A ICE tornou-se gigante na administração de negócios nessa área, assumindo atividades de forma cada vez mais concentrada na negociação de ações e títulos em todo o mundo. Um de seus negócios é a Liffe, que domina o mercado de produtos com taxas de juros de curto prazo, oferecendo contratos futuros em libras esterlinas e euro, baseados na Libor. Por isso, diz Finbarr Hutcheson, presidente da IBA, é de interesse da ICE que os investidores tenham confiança na Libor.
O problema é o espírito do escorpião. Também os respeitáveis dirigentes dos maiores bancos do mundo teriam todo o interesse em manter não só a reputação da Libor, mas também a reputação dos bancos que representam. Porém, diante da crise, não puderam evitar a manipulação.
O repórter financeiro da Bloomberg Bob Ivry escreveu um novo livro de entretenimento, Os Sete Pecados de Wall Street, que, ao invés de requentar as várias atividades ilegais que desencadearam a crise financeira, concentra-se naquilo que os bancos vêm fazendo desde a crise.
Muita coisa seria familiar aos leitores deste espaço: os delatores do Banco da América, que, instruídos a mentir a proprietários de imóveis, receberam de presente cartões de bônus para empurrá-los à execução da hipoteca; o comércio de derivativos da London Whale, que levou o JPMorgan Chase a perder mais de 6 bilhões de dólares; os bancos de investimento que negociavam commodities ao mesmo tempo em que operavam armazéns e outras instalações de commodities; e mais. Ao mesmo tempo, grande bancos continuam a gozar de subsídios sobre seus custos de empréstimo por causa da (precisa) percepção de que, na eventualidade de qualquer encrenca, serão socorridos.
Tudo indica que o problema irá se colocar em breve.
A citação de abertura do livro de Ivry é um diálogo entre Jamie Dimon e a filha: 'Pai, o que é uma crise financeira?' Sem tentar ser engraçado, eu disse: 'É algo que acontece a cada cinco a sete anos'. Uma rápida olhada no calendário mostra que estamos a quase seis anos do estouro da bolha imobiliária e queda do Lehman Brothers.
Estaríamos então no precipício de outra crise financeira? E como seria ela?
O perigo ainda espreita o mercado hipotecário, com certeza. O mais recente esquema fique-rico-rápido, em que empresas de private equity compram propriedades hipotecadas para alugá-las, e em seguida vender títulos lastreados nos fluxos de receita do aluguel (o que parece, de modo suspeito, com os títulos lastreados por pagamentos de hipoteca, uma das causas da última crise), tem o potencial de explodir. E contínuas peripécias com documentos de hipoteca podem levar a grandes dores de cabeça. Um novo processo judicial contra a Wells Fargo revelou uma bomba: um manual passo-a-passo dirigido a advogados sobre como falsificar, sob demanda, papéis de execução de hipoteca, que poderiam colocar em dúvida a verdadeira propriedade de milhões de casas. Até mesmo hipotecas subprime estão voltando afinal, o que poderia dar errado?
Entretanto, nesta era de mercado imobiliário bancado pelo governo, novas hipotecas aconteceram aos montes sob Fannie Mae e Freddie Mac, que os gigantes das hipotecas têm examinado diligentemente, em busca de defeitos. O resultado é que as hipotecas originadas em 2013 têm tido, de fato, um bom desempenho. Profissionais da área dizem que isso leva a um crédito "mais apertado", o pode também ser chamado de crédito "mais seguro", sem os truques e armadilhas que predaram americanos de baixa renda na última década. A legislação proposta para eliminar Fannie e Freddie poderia mudar isso dramaticamente e nos levar de volta ao show do Faroeste. Contudo, no momento o risco financeiro pode estar localizado, não nas hipotecas, mas em outro lugar.
Isso não quer dizer que as empresas de Wall Street têm sido bem comportadas. O risco é apenas mais difícil de ver, e não se pode olhar só para os bancos. Na verdade, os bancos reduziram sua participação em muitas atividades bancárias normais, deixando coisas tipo empréstimos a pequenas empresas na mão do sistema bancário paralelo.
Esta é a denominação genérica para os fundos de hedge, empresas de private equity e os negócios labirínticos que eles iniciaram para movimentar dinheiro. Tais empresas, menos reguladas, aumentaram seus negócios em 60% nos últimos cinco anos, avançando compulsivamente em empréstimos subprime a empresas que normalmente não conseguiriam crédito.
Empréstimos alavancados de forma não tradicional, emitidos para empresas que acabam endividadas, têm menos proteção aos credores e muito mais risco.
De modo geral, os credores vendem esses empréstimos nos mercados financeiros, ali onde anos de juros ultrabaixos levaram investidores a fazer qualquer negócio que lhes dê mais de dinheiro.
Assim, temos visto uma explosão em títulos de alto risco, investimentos especulativos em empresas de risco com alto retorno. Tal como aconteceu com as hipotecas subprime, esses títulos de alto risco apresentam subscrição de má qualidade, com dinheiro entregue a empresas que não deveriam, de forma alguma, obter injeção de dinheiro. Quer montar um restaurante vegan numa fazenda de gado? Uma loja de lingerie num convento? Não tem problema, o sistema bancário sombra vai financiar você!
O mercado de títulos junk dobrou para quase 2 trilhões desde 2009, levando à saída dos investidores mais cautelosos, desconfiados de que o mercado poderia se transformar rapidamente. Se as perdas aumentam e alguns dos maiores bancos-sombra tomam uma invertida, o fato de permanecerem tão interligados ao setor bancário tradicional, faz com que o risco possa se espalhar.
Os reguladores têm exibido uma vaga consciência desses pontos cegos, embora talvez seja tarde demais. Ações recentes do Federal Reserve sugerem que eles estão pensando em se proteger contra a instabilidade financeira, em meio à preocupação de que taxas de juros microscópicas e balanços expandidos alimentaram a especulação.
Além disso, a Securities and Exchange Commission (SEC) passou recentemente a olhar para os empréstimos alavancados que foram empacotados em títulos conhecidos como Obrigações de Empréstimo com Garantia Real, ou CLO. Estes CLO são negociados de forma privada entre compradores e vendedores, razão pela qual os reguladores não podem discernir se escondem riscos ou os vendedores enganam os compradores sobre os preços. Alguns deles são CLO "sintéticos" derivados que são basicamente apostas sobre se os empréstimos subjacentes vão para cima ou para baixo, sem qualquer participação nos próprios empréstimos.
Recentemente, os bancos comerciais têm tentado obter para os CLO isenção da regra Volcker, a proibição de negociação com os fundos dos depositantes. A emissão de CLO disparou com o impulso desse lobby, e ele poderia ser a próxima artéria de Wall Street para a jogatina.
Contudo, se a SEC irá realmente aplicar leis de segurança nos CLOs e levá-los para fora das sombras, ainda não se sabe. Se a história recente é um guia, a fiscalização de derivativos sombra e fixação de preços deveria acabar com acordos desse tipo, e exigir uma verdadeira prestação de contas.
Enquanto isso, somos informados de que a economia tem pouco a temer de grandes falências bancárias. O Federal Reserve divulgou recentemente os resultados de testes de estresse nos 30 maiores bancos, e afirma que 29 deles iriam se segurar em caso de recessão profunda. Mas os testes de estresse, projetados pelos próprios bancos a ser testados em conjunto com o Fed, não medem de fato a realidade de uma crise financeira - se o fizessem, todos os bancos todos fracassariam.
Em síntese, ainda não sabemos exatamente aonde a próxima crise financeira vai surgir. Mas sabemos como as condições para futuras crises são preparadas. Quando a aplicação da lei não consegue processar Wall Street por delitos anteriores, não há nenhuma razão para que eles moderem seu comportamento. Como disse recentemente o chefe do Departamento de Serviços Financeiros de Nova York, Ben Lawsky: "Há maçãs podres nas grandes instituições que estão tentando avançar nos limites. Se eles acham que não vão sofrer grandes consequências, continuarão fazendo isso."
Do mesmo modo, o poder e o tamanho das maiores instituicões financeiras, que fizeram apenas crescer desde a crise, praticamente garantem impunidade. O Congresso e a Casa Branca ainda não se mexeram para cortar a dimensão desses monstros; o resultado é que suas estruturas corporativas se alastram e os torna quase praticamente indomáveis ao controle de riscos indevidos.
É revelador e triste que tenha demorado até as últimas semanas para os principais reguladores considerarem, publicamente, se Wall Street tem uma cultura de corrupção. Os sete pecados que Bob Ivry documenta em seu novo livro são praticamente uma descrição de um setor financeiro que deseja fazer lucros rápidos, ignorando coisas desagradáveis, tais como regras ou a vida das pessoas comuns, e descartando risco como batata quente. Vimos em 2008 que isso nos coloca a todos em perigo.
Glossário de conceitos financeiros, em inglês:
http://somo.nl/dossiers-en/sectors/financial/eu-financial-reforms/glossary#algotrading
A campanha pelas TTF demanda uma taxa sobre as transações financeiras internacionais mercados de câmbio, ações e derivativos. Com alíquotas menores que 1%, elas incidirão sobre um volume astronômico de recursos pois esses mercados giram trilhões de dólares por dia.
http://www.outraspalavras.net