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Amir Khair considera que uma taxa Selic aceitável estaria próxima dos Ãndices de inflação. Em termos de cenário econômico brasileiro, isso representaria algo na casa de 5% a 6%. No entanto, a Selic atual é de 11% . Isso “é ministrar um veneno em dose maior. Eu considero a taxa Selic como um veneno da economia”, afirma o mestre em finanças públicas.
“Com isso, você atrai dólares do exterior, que vêm para cá, captam dinheiro a custo praticamente zero e aplicam em taxa Selic [...]. Um lucro fantástico! Saem do paÃs 10 bilhões de dólares em rendimento destas aplicações especulativas por ano”, continua ele. “Ao atrair dólares para cá, você faz com que o real fique forte, porque tem muita oferta de dólar. E, ao fazer isso, você acaba fazendo com que o câmbio no Brasil fique completamente fora de lugar. Isso faz com que se tenha um rombo importante nas contas externas, que no ano passado chegou a 82 bilhões de dólares”, completa.
Nesta entrevista, concedida por telefone à  IHU On-Line, Khair demonstra que esta situação provoca, entre outras consequências, a fragilidade das empresas nacionais que pretendem buscar espaço no comércio exterior. Pois, sem preços competitivos, o setor industrial não teria condições de concorrer com os produtos do exterior, ainda que seja beneficiado com desonerações de tributos ou com os empréstimos concedidos pelas agências estatais de fomento.
“Quando você tem no paÃs taxas de juros elevadas, você pune toda a sociedade, à exceção de quem? Dos grandes grupos privados que, tendo saldos disponÃveis nas suas operações, aplicam nos tÃtulos do governo e obtêm um lucro forte com isso; e dos bancos, que obtêm recursos a custo praticamente zero e aplicam em tÃtulos do governo também, sem risco nenhum, ganhando lucros fantásticos”, adverte. Ele lembra que não ocorre o mesmo com os consumidores e com as micro, pequenas e médias empresas, pois estes não têm acesso ao BNDES e, por isso, são obrigados a contratar empréstimos com os altos juros cobrados pelos bancos — no caso da população, estes juros chegaram a 93% ao ano em janeiro de 2014 para compras com prazo de pagamento de um ano.
Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, de São Paulo. Foi secretário municipal de Finanças na gestão da prefeita Luiza Erundina na capital paulista (1989-1992). É consultor nas áreas fiscal, orçamentária e tributária. Confira a entrevista.
IHU On-Line - A dÃvida pública é em si um problema (um indicativo de má gestão) ou constitui uma necessidade para a viabilização de investimentos?
Amir Khair – A dÃvida pública ajuda, claro, o investimento, porque ela é feita quando as receitas provenientes dos tributos não são suficientes para bancar todas as despesas necessárias ao setor público e mais alguns investimentos, quando um dirigente ou um governante quer ampliar a ação do governo para além desses recursos tributários. Mas o governo tem limites para contratar dÃvida, ele opera dentro dos limites estabelecidos pelo Senado Federal. O governo pode ampliar a sua ação, mas sempre respeitando os limites estabelecidos por resolução do Senado.
IHU On-Line – Então é possÃvel governar sem contrair dÃvidas no atual modelo polÃtico-econômico...
Amir Khair – É possÃvel. A maior parte das prefeituras do paÃs, até prefeituras grandes, não contrai dÃvidas, não tem dÃvidas. Pelo contrário, tem até crédito, do ponto de vista do balanço financeiro — elas têm mais aplicações financeiras do que passivos de dÃvidas. Essa é a tendência na situação das prefeituras do paÃs, coisa pouco divulgada. Com relação aos estados, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais têm dÃvidas pesadas em relação à s suas próprias receitas públicas. Os outros estados, com exceção talvez de Alagoas, têm um limite muito abaixo do estabelecido pelo Senado, de que as dÃvidas contratadas não podem exceder valores correspondentes a dois anos de arrecadação. Então esta questão da dÃvida praticamente não fere nenhum desses estados, salvo aqueles quatro mencionados. O que nos mostra que, no setor público, é possÃvel avançar sem a contratação de dÃvidas fortes.
A exceção se encontra no governo federal. Embora a Lei de Responsabilidade Fiscal estabeleça um limite para a dÃvida, até hoje isso nunca foi votado no Congresso Nacional por pressão do próprio Poder Executivo, desde a época de Fernando Henrique Cardoso, passando por Luiz Inácio Lula da Silva e agora pela presidente Dilma Rousseff. É um dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal que não foi regulamentado.
Com isso, o governo federal foi ampliando a sua dÃvida. E essa dÃvida é muito pesada, porque ela tem uma taxa de juros, arbitrada pelo próprio governo federal, que é extremamente elevada. Consequentemente, esta taxa de juros acaba catapultando a dÃvida, colocando-a em patamares cada vez maiores, e essa questão não é enfrentada pelo governo, nem na época do Lula, nem na época do Fernando Henrique — que, aliás, foi muito pior, porque as taxas eram muito mais elevadas —, nem pelo governo Dilma.
IHU On-Line - Como avalia a meta de obtenção de superávit primário para o pagamento dos juros da dÃvida?
Amir Khair – A questão do superávit primário é uma questão falsa, é uma questão enganosa para o debate fiscal do paÃs. Falsa porque ela esconde a realidade fiscal, que é muito concentrada na verdadeira causa do déficit fiscal do paÃs, que são as taxas de juros. O Brasil é um paÃs que sempre comprometeu mais de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) com juros. No mundo inteiro isso gira, no máximo, em 2% — a média de comprometimento com juros é inferior, ficando em 1% do PIB. Ou seja, o Brasil joga fora 5% do seu PIB por decisões do próprio governo de manter elevada a taxa Selic.
Essa questão é importante e mostra que a discussão em cima do superávit primário é uma discussão enganosa pelo fato de não considerar o chamado resultado nominal, este sim é o termômetro das finanças públicas por ser o resultado de todas as receitas e todas as despesas. O resultado primário não leva em conta os juros.
É como se não existissem juros como despesa. Você tem sempre um déficit nominal, pois os juros superam o resultado primário, que são as receitas menos as despesas, fora a questão dos juros. Tem sempre uma conta de juros da ordem de 5% do PIB — este ano podendo chegar a 6% do PIB. Isso gera um déficit fiscal muito grande.
IHU On-Line - Em 2013, a inflação oficial atingiu a marca de 5,91%. Para conter este avanço, o Copom promoveu o aumento da taxa Selic de 7,25%, em janeiro daquele ano, para 10,5%, em janeiro de 2014. Esta estratégia de aumentar a taxa Selic para conter a inflação ainda é uma opção viável?
Amir Khair – Eu considero que é ministrar um veneno em dose maior. Eu considero a Selic como um veneno da economia. Se fosse qualquer paÃs do mundo, ela estaria da ordem da inflação. Ou seja, por volta de 5%, 6%. Aqui ela é bem acima. Com isso, você atrai dólares do exterior, que vêm para cá, captam dinheiro a custo praticamente zero e aplicam em taxa Selic. Aqui está rendendo 10,5%, e é capaz de ir para 11% agora [como de fato ocorreria em reunião do Copom realizada no inÃcio de abril]. Um lucro fantástico! Saem do paÃs 10 bilhões de dólares em rendimento destas aplicações especulativas por ano. Uma média histórica que vem se repetindo.
Com isso, ao atrair dólares para cá, você faz com que o real fique forte, porque tem muita oferta de dólar. E, ao fazer isso, você acaba fazendo com que o câmbio no Brasil fique completamente fora de lugar. Isso faz com que se tenha um rombo importante nas contas externas, que no ano passado chegou a 82 bilhões de dólares. O Brasil está completamente fora no câmbio. Há uma impossibilidade de as empresas sediadas no paÃs concorrerem com os produtos no exterior. Ou seja, você condena o setor industrial do paÃs ao colapso. É cada vez mais uma situação complicada. E não se resolve isso com desonerações, com empréstimos a essas empresas, etc.
Está afastada a possibilidade, até agora, de se ter a taxa Selic no nÃvel internacional, que é aquele que reconhece que é possÃvel controlar a inflação em algumas situações, e que não é possÃvel controlá-la em outras. Não é o caminho artificializar o câmbio, mantendo essa situação que é desastrosa e que abre o rombo das contas internas, que faz com que as reservas internacionais tenham um custo de carregamento extremamente elevado. Assim, você prejudica a indústria e não cresce. Essa solução de usar a Selic para combater a inflação tem funcionado para segurar o paÃs, para criar um rombo nas contas internas e nas contas externas. É um remédio que mata o paciente.
IHU On-Line - Qual é o valor estimado atual para a dÃvida pública brasileira?
Amir Khair – A dÃvida é olhada pelo governo como dÃvida lÃquida, ou seja, a dÃvida bruta abatida das reservas internacionais, fundamentalmente. Ela está em torno de 34% do PIB, que é um nÃvel razoável. Agora, a dÃvida bruta, que é a dÃvida que o paÃs tem sem considerar estes abatimentos, gira em torno de 60% do PIB. Não é um nÃvel elevado, está dentro do limite definido pelo Tratado de Maastricht, que estabeleceu as regulamentações fiscais na União Europeia, principalmente para a zona do euro. Você tem uma dÃvida bruta que não é elevada. O problema não é o nÃvel da dÃvida, portanto. O problema é a taxa de juros que onera essa dÃvida. No mundo todo, essa taxa é muito baixa. No Japão ela é quase zero. Nos Estados Unidos também é baixÃssima. Aqui não, ela é muito alta. Então o que mata não é o tamanho da dÃvida, mas a taxa de juros, que faz com que essa dÃvida tenda a crescer sempre. Apesar de todo o esforço do setor público em pagar, ele não consegue. Essa dÃvida está sempre aumentando, por causa da taxa de juros que está completamente fora de lugar há muitos e muitos anos.
IHU On-Line – É possÃvel diferenciar a polÃtica econômica da gestão Dilma Rousseff daquela implementada pelos seus antecessores Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso?
Amir Khair – A grande inflexão polÃtica ocorreu na área social, fundamentalmente. Foi no governo Lula, quando, por meio de aumentos do salário mÃnimo bem superiores à inflação, do Bolsa FamÃlia e de outros programas de renda, houve uma transferência de recursos bastante forte para a base da pirâmide social. Com isso, a classe média aumentou na ordem de 40 milhões de pessoas. Isso gerou um consumo forte para o paÃs e gerou crescimento econômico. Isso é o que distingue o governo Lula do governo Fernando Henrique e anteriores, que não fizeram programas expressivos e de significado em termos de bombar recursos para a base da pirâmide.
O governo Fernando Henrique apostou no grande capital internacional entrando no paÃs e comprando as estatais, com isso gerando crescimento. Entretanto, o crescimento gerado foi uma vergonha, da ordem de 2% ao ano, um crescimento fraquÃssimo. A inflação continuou elevada, o resultado fiscal do governo Fernando Henrique nos oito anos foi de 1,5% de superávit primário e um déficit fiscal superior a 6% do PIB. Foi um fracasso total. Nas contas externas, o paÃs quase faliu duas vezes: em 1999 e em 2002. As reservas eram fraquÃssimas. Aquele foi um governo fracassado nos âmbitos interno e externo. Não abriu novos mercados, sempre cortejando os Estados Unidos e a Europa — que se fechavam aos produtos agropecuários brasileiros. Não havia aÃ, como até hoje é difÃcil, qualquer tipo de negociação nessas duas frentes.
O governo Dilma, por sua vez, ampliou os programas de transferência de renda — não apenas o salário mÃnimo, mas também o Bolsa FamÃlia, que já teve o valor multiplicado por quatro vezes, e outros programas, como o Brasil sem Miséria, o Minha Casa, Minha Vida. Ou seja, ela tentou ampliar a área social com sucesso, e nisso há reconhecimento público.
Com relação à polÃtica econômica, entretanto, as diferenças são pequenas. A única coisa que vale a pena sublinhar é que o fio condutor da polÃtica econômica, seja no governo Fernando Henrique, seja no governo Lula, seja no governo Dilma é apoiado no controle da inflação, através da Selic elevada. Só que, no governo Fernando Henrique, a média da Selic foi da ordem de 25% ao ano. Há alguns ex-presidentes do Banco Central, que hoje são comemorados como ótimos presidentes, que, para mim, foram verdadeiros coveiros do paÃs, como ArmÃnio Fraga, Gustavo Franco e Gustavo Loyola. Eles praticaram taxas Selic extremamente elevadas. E isso fez com que a dÃvida lÃquida do paÃs subisse da casa de 30%, no inÃcio do governo Fernando Henrique, para 60%, quando entrou o Lula. Além disso, como procuraram manter o câmbio apreciado, geraram rombos expressivos nas contas externas. São pessoas, gestores, de responsabilidade, mas que deixaram um legado muito ruim para o paÃs.
No governo Lula, com Henrique Meirelles na presidência do Banco Central, houve uma redução desse nÃvel, mas a Selic ainda permaneceu muito elevada. Dilma inovaria se conseguisse manter a Selic baixa, como quando chegou ao patamar de 7,25% durante o seu governo ou até mais baixa. Mas a presidente cedeu à pressão do mercado financeiro e, agora, tem deixado a taxa voltar a subir novamente. Essa seria uma caracterÃstica que poderia diferenciar a polÃtica econômica da presidente Dilma da implementada pelos governos anteriores. De nada adianta fazer desonerações se você deixar o setor privado industrial brasileiro exposto a uma concorrência empresarial hoje muito mais forte do que na época de Fernando Henrique ou Lula, concorrência esta que trabalha com câmbio favorável à s exportações. Nós, no nosso caso, parece que proibimos as exportações para manter este câmbio.
IHU On-Line – Pode-se dizer que a dÃvida movimenta o capitalismo, já que ela financia os bancos?
Amir Khair – Sim. Quando você tem no paÃs taxas de juros elevadas, você pune toda a sociedade, à exceção de quem? Dos grandes grupos privados que, tendo saldos disponÃveis nas suas operações, aplicam nos tÃtulos do governo e obtêm um lucro forte com isso; e dos bancos, que obtêm recursos a custo praticamente zero e aplicam em tÃtulos do governo também, sem risco nenhum, ganhando lucros fantásticos.
Há uma transferência, portanto, de recursos através desse mecanismo de taxas de juros elevadas. Micro, pequenas e médias empresas são obrigadas a captar empréstimos com juros altos dos bancos, porque não têm acesso ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES. Também a população em geral, que, além de enfrentar dificuldades em termos de distribuição de renda, que ainda é muito desfavorável no Brasil, tem contra si a má distribuição tributária, sendo muito mais onerada com os tributos do que a elite, a parte superior da camada social. Quando a população compra alguma coisa financiada, e este tipo de compra é a mais usual entre as camadas de baixa renda, ela tem de pagar taxas de juros de 90% ao ano — ou 93%, como ocorreu em janeiro para compras com prazo de um ano.
Ou seja, a pessoa compra um bem e acaba pagando dois. Este é o principal freio da economia. E, ao ter que pagar por dois, este outro bem que ela paga em juros vai para o sistema financeiro. Há uma transferência de renda, uma bomba de sucção das pessoas, especialmente das camadas de menor renda média, que demandam crédito pagando taxas absurdas de juros, quando a média internacional nos paÃses emergentes é de 10% ao ano. Aqui é de 93%!
IHU On-Line – Gostaria de adicionar algo?
Amir Khair – Apenas gostaria que o governo acordasse e botasse o motor em funcionamento da economia, que está praticamente andando de lado, crescendo 2% ao ano, mesmo nÃvel de 1980 até 2002, e que é um nÃvel muito insuficiente. Eu espero que a presidente acorde para a necessidade de mudanças na polÃtica econômica, que deixem de submeter o paÃs a taxas de juros exorbitantes, seja da Selic ou seja simplesmente a demandada pelo setor financeiro para a sociedade.
A campanha pelas TTF demanda uma taxa sobre as transações financeiras internacionais – mercados de câmbio, ações e derivativos. Com alíquotas menores que 1%, elas incidirão sobre um volume astronômico de recursos pois esses mercados giram trilhões de dólares por dia.
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