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Espanha: nem todas as classes sociais perdem com a crise

Liberdade de muitos ameaçada pela riqueza de poucos: crise e políticas do governo para combatê-la levaram a aumento impressionante nas desigualdades sociais. Por Daniel Raventós, na Carta Maior

Reino da Espanha: 5.896.300 estão desempregados, segundo o Questionário sobre a População Ativa (EPA, em sua sigla inglesa) do último trimestre de 2013. Ou seja, a taxa de desemprego é de 26%. Uma taxa que mais que duplica entre os jovens abaixo de 25 anos: 55,6%. Quase três milhões de pessoas estão oficialmente desempregadas há mais de um ano, enquanto que em 1,8 milhão de lares todos os membros estão desempregados. Embora conhecidas, poucas cifras podem descrever uma realidade social de modo mais breve e contundente.

A crise e as políticas econômicas colocadas em ação pelo governo do Reino da Espanha para combatê-la (sic) trouxeram, entre outras muitas consequências, um incremento impressionante nas desigualdades sociais.

Mais concretamente, de 2008 a 2012, o coeficiente Gini de desigualdade passou de 0,319 para 0,35, o que representa um aumento de quase 12%. Esse índice, vale recordar, vai de zero (distribuição de renda perfeitamente igualitária) a 1 (um ganha tudo e os demais, nada). Quanto mais próximo do zero, menos desigualmente a renda é repartida; quanto mais próximo de 1, maior é a desigualdade.

Um aumento de 12% nesse índice, em apenas 4 anos, é enorme. Para termos uma rápida noção comparativa, nenhum outro Estado da União Europeia sofreu um aumento tão grande nesse indicador no mesmo período. Algumas comparações: a Grécia sofreu aumento de 3,3%; a França, de 2,3%. E, em outros Estados, o índice até diminuiu: em Portugal (!), houve diminuição de 3,5%; na Alemanha, de 5,9%. A média na zona do Euro foi um pequeno aumento de 0,8%.

Podemos pensar em divertimentos acadêmicos e fazer perguntas sobre se "é moral que os especuladores dos mercados financeiros possam obrigar Estados inteiros e seus cidadãos a fazer cortes drásticos" [1]. Fazer teses de doutorado e publicar em revistas de maior ou menor prestígio acadêmico.

Mas, levando as coisas a sério, as grandes desigualdades econômicas não precisam de perguntas morais aparentemente sofisticadas. Essas desigualdades são um impedimento à liberdade da grande maioria. E, com os dados oficiais, uma conclusão se impõe: a crise econômica e as medidas de política econômica que foram adotadas para supostamente fazer frente a ela aumentaram as desigualdades. A grande maioria viu sua liberdade ainda mais ameaçada do que no início da crise.

Outros poucos dados adicionais, para continuar constatando o aumento das desigualdades: de 2008 a 2011, último ano em que esse tipo de dado foi publicado pelo Banco da Espanha, as cifras sobre a renda média disponível nos lares do Reino são muito significativas. Em 2011, a renda média diminuiu 8,5% em relação a 2008. Mas, como está relacionada ao aumento do coeficiente Gini antes mencionado, essa diminuição média não foi igual para os distintos grupos de renda: todos perderam, exceto os 10% mais ricos. Esse grupo, inclusive, melhorou sua renda média durante o período de crise. Todos os demais grupos perderam, em maior ou menor proporção.

Outra realidade. A economia informal é muito grande. Segundo diferentes fontes, que não diferem significativamente nas porcentagens, a economia informal, no ano de 2011, representou em torno de 26% do PIB no Reino da Espanha. Apenas a Grécia, com mais de 30%, supera essa grande proporção.

A porcentagem de fraude fiscal dessa economia é da ordem de 22,5% do conjunto da arrecadação fiscal (ano de 2010), de mais de 70 bilhões. E quem pratica a maior fraude fiscal são os ricos. Um pequeno mas muito significativo exemplo: em um estudo [2] sobre o financiamento de uma renda básica para a Catalunha, realizado a partir de mais de 200 mil declarações de IRPF de 2010, concluiu-se que a afirmação anterior vigorava de maneira gritante.

Partiu-se de três perfis de renda, pertencentes a funcionários docentes, como é o caso dos professores primários, os da escola secundária e os catedráticos das universidades, com um tempo de 12 anos de trabalho nos três casos, e cujas remunerações são públicas. Nesse estudo, observamos que o primeiro perfil citado teve em 2010 uma remuneração bruta anual de 32.500 euros, o que o situa na oitava camada da população ordenada pelos rendimentos do IRPF da Catalunha – isto é, entre os 20% mais ricos da população tributados no IRPF. O segundo caso, dos professores secundaristas, com renda em 2010 de 37 mil euros anuais brutos, se situa já dentro dos 10% mais ricos. Finalmente, um catedrático de universidade, com uma renda anual bruta em 2010 de 54 mil euros, faria parte dos 5% mais ricos. É preciso chamar a atenção para quão distorcida é a realidade que esses dados representam? Trata-se de apenas um exemplo, embora muito revelador, da tremenda fraude fiscal que os ricos praticam.

A liberdade de muitos está ameaçada pela riqueza de alguns poucos [3]. A crise e as medidas de política econômica que se colocaram em prática no Reino da Espanha em maio de 2010 [4] fomentaram ainda mais a liberdade da maioria rica.

Daniel Raventós é professor da Faculdade de Economia e Empresa da Universidade de Barcelona, membro do Comitê de Redação SinPermiso e presidente da Rede Renda Básica. É membro do comitê científico da ATTAC. Seu último livro é: “O que é a Renda Básica? Perguntas (e respostas) mais frequentes” (El Viejo Topo, 2012).

Tradução de Daniella Cambaúva.
 
Notas: 
[1] Markus Christen (2014): “Entre o ser e o dever ser (neurofisiologia das emoções e da moral)”, Mente e cérebro, núm. 65, p. 70. 
 
[2] Jordi Arcarons, Daniel Raventós e Lluís Torrens (2013): “Um modelo de financiamento da renda básica tecnicamente factível e politicamente não inerte”, SinPermiso. 
 
[3]  Daniel Raventós (2014): “A liberdade de todos ameaçada pela grande riqueza de 2.170”, Público. 
 
[4] Antoni Domènech, Alejandro Nadal, Gustavo Búster e Daniel Raventós (2010): “A UE e Zapatero se superam, ou quando os loucos são os guias dos cegos”, SinPermiso.
 



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