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Amir Khair: "taxa Selic é veneno da economia"

Para economista, governo não pode continuar a submeter país a juros exorbitantes, que oneram toda a sociedade, à exceção dos bancos e dos grandes grupos de capital privado. Na IHU On-Line

Amir Khair considera que uma taxa Selic aceitável estaria próxima dos índices de inflação. Em termos de cenário econômico brasileiro, isso representaria algo na casa de 5% a 6%. No entanto, a Selic atual é de 11% . Isso “é ministrar um veneno em dose maior. Eu considero a taxa Selic como um veneno da economia”, afirma o mestre em finanças públicas.

“Com isso, você atrai dólares do exterior, que vêm para cá, captam dinheiro a custo praticamente zero e aplicam em taxa Selic [...]. Um lucro fantástico! Saem do país 10 bilhões de dólares em rendimento destas aplicações especulativas por ano”, continua ele. “Ao atrair dólares para cá, você faz com que o real fique forte, porque tem muita oferta de dólar. E, ao fazer isso, você acaba fazendo com que o câmbio no Brasil fique completamente fora de lugar. Isso faz com que se tenha um rombo importante nas contas externas, que no ano passado chegou a 82 bilhões de dólares”, completa.

Nesta entrevista, concedida por telefone à IHU On-Line, Khair demonstra que esta situação provoca, entre outras consequências, a fragilidade das empresas nacionais que pretendem buscar espaço no comércio exterior. Pois, sem preços competitivos, o setor industrial não teria condições de concorrer com os produtos do exterior, ainda que seja beneficiado com desonerações de tributos ou com os empréstimos concedidos pelas agências estatais de fomento.

“Quando você tem no país taxas de juros elevadas, você pune toda a sociedade, à exceção de quem? Dos grandes grupos privados que, tendo saldos disponíveis nas suas operações, aplicam nos títulos do governo e obtêm um lucro forte com isso; e dos bancos, que obtêm recursos a custo praticamente zero e aplicam em títulos do governo também, sem risco nenhum, ganhando lucros fantásticos”, adverte. Ele lembra que não ocorre o mesmo com os consumidores e com as micro, pequenas e médias empresas, pois estes não têm acesso ao BNDES e, por isso, são obrigados a contratar empréstimos com os altos juros cobrados pelos bancos — no caso da população, estes juros chegaram a 93% ao ano em janeiro de 2014 para compras com prazo de pagamento de um ano.

Amir Khair é mestre em Finanças Públicas pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, de São Paulo. Foi secretário municipal de Finanças na gestão da prefeita Luiza Erundina na capital paulista (1989-1992). É consultor nas áreas fiscal, orçamentária e tributária. Confira a entrevista.

IHU On-Line - A dívida pública é em si um problema (um indicativo de má gestão) ou constitui uma necessidade para a viabilização de investimentos?

Amir Khair – A dívida pública ajuda, claro, o investimento, porque ela é feita quando as receitas provenientes dos tributos não são suficientes para bancar todas as despesas necessárias ao setor público e mais alguns investimentos, quando um dirigente ou um governante quer ampliar a ação do governo para além desses recursos tributários. Mas o governo tem limites para contratar dívida, ele opera dentro dos limites estabelecidos pelo Senado Federal. O governo pode ampliar a sua ação, mas sempre respeitando os limites estabelecidos por resolução do Senado.

IHU On-Line – Então é possível governar sem contrair dívidas no atual modelo político-econômico...

Amir Khair – É possível. A maior parte das prefeituras do país, até prefeituras grandes, não contrai dívidas, não tem dívidas. Pelo contrário, tem até crédito, do ponto de vista do balanço financeiro — elas têm mais aplicações financeiras do que passivos de dívidas. Essa é a tendência na situação das prefeituras do país, coisa pouco divulgada. Com relação aos estados, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais têm dívidas pesadas em relação às suas próprias receitas públicas. Os outros estados, com exceção talvez de Alagoas, têm um limite muito abaixo do estabelecido pelo Senado, de que as dívidas contratadas não podem exceder valores correspondentes a dois anos de arrecadação. Então esta questão da dívida praticamente não fere nenhum desses estados, salvo aqueles quatro mencionados. O que nos mostra que, no setor público, é possível avançar sem a contratação de dívidas fortes.

A exceção se encontra no governo federal. Embora a Lei de Responsabilidade Fiscal estabeleça um limite para a dívida, até hoje isso nunca foi votado no Congresso Nacional por pressão do próprio Poder Executivo, desde a época de Fernando Henrique Cardoso, passando por Luiz Inácio Lula da Silva e agora pela presidente Dilma Rousseff. É um dispositivo da Lei de Responsabilidade Fiscal que não foi regulamentado.

Com isso, o governo federal foi ampliando a sua dívida. E essa dívida é muito pesada, porque ela tem uma taxa de juros, arbitrada pelo próprio governo federal, que é extremamente elevada. Consequentemente, esta taxa de juros acaba catapultando a dívida, colocando-a em patamares cada vez maiores, e essa questão não é enfrentada pelo governo, nem na época do Lula, nem na época do Fernando Henrique — que, aliás, foi muito pior, porque as taxas eram muito mais elevadas —, nem pelo governo Dilma.

IHU On-Line - Como avalia a meta de obtenção de superávit primário para o pagamento dos juros da dívida?

Amir Khair – A questão do superávit primário é uma questão falsa, é uma questão enganosa para o debate fiscal do país. Falsa porque ela esconde a realidade fiscal, que é muito concentrada na verdadeira causa do déficit fiscal do país, que são as taxas de juros. O Brasil é um país que sempre comprometeu mais de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) com juros. No mundo inteiro isso gira, no máximo, em 2% — a média de comprometimento com juros é inferior, ficando em 1% do PIB. Ou seja, o Brasil joga fora 5% do seu PIB por decisões do próprio governo de manter elevada a taxa Selic.

Essa questão é importante e mostra que a discussão em cima do superávit primário é uma discussão enganosa pelo fato de não considerar o chamado resultado nominal, este sim é o termômetro das finanças públicas por ser o resultado de todas as receitas e todas as despesas. O resultado primário não leva em conta os juros.

É como se não existissem juros como despesa. Você tem sempre um déficit nominal, pois os juros superam o resultado primário, que são as receitas menos as despesas, fora a questão dos juros. Tem sempre uma conta de juros da ordem de 5% do PIB — este ano podendo chegar a 6% do PIB. Isso gera um déficit fiscal muito grande.

IHU On-Line - Em 2013, a inflação oficial atingiu a marca de 5,91%. Para conter este avanço, o Copom promoveu o aumento da taxa Selic de 7,25%, em janeiro daquele ano, para 10,5%, em janeiro de 2014. Esta estratégia de aumentar a taxa Selic para conter a inflação ainda é uma opção viável?

Amir Khair – Eu considero que é ministrar um veneno em dose maior. Eu considero a Selic como um veneno da economia. Se fosse qualquer país do mundo, ela estaria da ordem da inflação. Ou seja, por volta de 5%, 6%. Aqui ela é bem acima. Com isso, você atrai dólares do exterior, que vêm para cá, captam dinheiro a custo praticamente zero e aplicam em taxa Selic. Aqui está rendendo 10,5%, e é capaz de ir para 11% agora [como de fato ocorreria em reunião do Copom realizada no início de abril]. Um lucro fantástico! Saem do país 10 bilhões de dólares em rendimento destas aplicações especulativas por ano. Uma média histórica que vem se repetindo.

Com isso, ao atrair dólares para cá, você faz com que o real fique forte, porque tem muita oferta de dólar. E, ao fazer isso, você acaba fazendo com que o câmbio no Brasil fique completamente fora de lugar. Isso faz com que se tenha um rombo importante nas contas externas, que no ano passado chegou a 82 bilhões de dólares. O Brasil está completamente fora no câmbio. Há uma impossibilidade de as empresas sediadas no país concorrerem com os produtos no exterior. Ou seja, você condena o setor industrial do país ao colapso. É cada vez mais uma situação complicada. E não se resolve isso com desonerações, com empréstimos a essas empresas, etc.

Está afastada a possibilidade, até agora, de se ter a taxa Selic no nível internacional, que é aquele que reconhece que é possível controlar a inflação em algumas situações, e que não é possível controlá-la em outras. Não é o caminho artificializar o câmbio, mantendo essa situação que é desastrosa e que abre o rombo das contas internas, que faz com que as reservas internacionais tenham um custo de carregamento extremamente elevado. Assim, você prejudica a indústria e não cresce. Essa solução de usar a Selic para combater a inflação tem funcionado para segurar o país, para criar um rombo nas contas internas e nas contas externas. É um remédio que mata o paciente.

IHU On-Line - Qual é o valor estimado atual para a dívida pública brasileira?

Amir Khair – A dívida é olhada pelo governo como dívida líquida, ou seja, a dívida bruta abatida das reservas internacionais, fundamentalmente. Ela está em torno de 34% do PIB, que é um nível razoável. Agora, a dívida bruta, que é a dívida que o país tem sem considerar estes abatimentos, gira em torno de 60% do PIB. Não é um nível elevado, está dentro do limite definido pelo Tratado de Maastricht, que estabeleceu as regulamentações fiscais na União Europeia, principalmente para a zona do euro. Você tem uma dívida bruta que não é elevada. O problema não é o nível da dívida, portanto. O problema é a taxa de juros que onera essa dívida. No mundo todo, essa taxa é muito baixa. No Japão ela é quase zero. Nos Estados Unidos também é baixíssima. Aqui não, ela é muito alta. Então o que mata não é o tamanho da dívida, mas a taxa de juros, que faz com que essa dívida tenda a crescer sempre. Apesar de todo o esforço do setor público em pagar, ele não consegue. Essa dívida está sempre aumentando, por causa da taxa de juros que está completamente fora de lugar há muitos e muitos anos.

IHU On-Line – É possível diferenciar a política econômica da gestão Dilma Rousseff daquela implementada pelos seus antecessores Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso?

Amir Khair – A grande inflexão política ocorreu na área social, fundamentalmente. Foi no governo Lula, quando, por meio de aumentos do salário mínimo bem superiores à inflação, do Bolsa Família e de outros programas de renda, houve uma transferência de recursos bastante forte para a base da pirâmide social. Com isso, a classe média aumentou na ordem de 40 milhões de pessoas. Isso gerou um consumo forte para o país e gerou crescimento econômico. Isso é o que distingue o governo Lula do governo Fernando Henrique e anteriores, que não fizeram programas expressivos e de significado em termos de bombar recursos para a base da pirâmide.

O governo Fernando Henrique apostou no grande capital internacional entrando no país e comprando as estatais, com isso gerando crescimento. Entretanto, o crescimento gerado foi uma vergonha, da ordem de 2% ao ano, um crescimento fraquíssimo. A inflação continuou elevada, o resultado fiscal do governo Fernando Henrique nos oito anos foi de 1,5% de superávit primário e um déficit fiscal superior a 6% do PIB. Foi um fracasso total. Nas contas externas, o país quase faliu duas vezes: em 1999 e em 2002. As reservas eram fraquíssimas. Aquele foi um governo fracassado nos âmbitos interno e externo. Não abriu novos mercados, sempre cortejando os Estados Unidos e a Europa — que se fechavam aos produtos agropecuários brasileiros. Não havia aí, como até hoje é difícil, qualquer tipo de negociação nessas duas frentes.

O governo Dilma, por sua vez, ampliou os programas de transferência de renda — não apenas o salário mínimo, mas também o Bolsa Família, que já teve o valor multiplicado por quatro vezes, e outros programas, como o Brasil sem Miséria, o Minha Casa, Minha Vida. Ou seja, ela tentou ampliar a área social com sucesso, e nisso há reconhecimento público.

Com relação à política econômica, entretanto, as diferenças são pequenas. A única coisa que vale a pena sublinhar é que o fio condutor da política econômica, seja no governo Fernando Henrique, seja no governo Lula, seja no governo Dilma é apoiado no controle da inflação, através da Selic elevada. Só que, no governo Fernando Henrique, a média da Selic foi da ordem de 25% ao ano. Há alguns ex-presidentes do Banco Central, que hoje são comemorados como ótimos presidentes, que, para mim, foram verdadeiros coveiros do país, como Armínio Fraga, Gustavo Franco e Gustavo Loyola. Eles praticaram taxas Selic extremamente elevadas. E isso fez com que a dívida líquida do país subisse da casa de 30%, no início do governo Fernando Henrique, para 60%, quando entrou o Lula. Além disso, como procuraram manter o câmbio apreciado, geraram rombos expressivos nas contas externas. São pessoas, gestores, de responsabilidade, mas que deixaram um legado muito ruim para o país.

No governo Lula, com Henrique Meirelles na presidência do Banco Central, houve uma redução desse nível, mas a Selic ainda permaneceu muito elevada. Dilma inovaria se conseguisse manter a Selic baixa, como quando chegou ao patamar de 7,25% durante o seu governo ou até mais baixa. Mas a presidente cedeu à pressão do mercado financeiro e, agora, tem deixado a taxa voltar a subir novamente. Essa seria uma característica que poderia diferenciar a política econômica da presidente Dilma da implementada pelos governos anteriores. De nada adianta fazer desonerações se você deixar o setor privado industrial brasileiro exposto a uma concorrência empresarial hoje muito mais forte do que na época de Fernando Henrique ou Lula, concorrência esta que trabalha com câmbio favorável às exportações. Nós, no nosso caso, parece que proibimos as exportações para manter este câmbio.

IHU On-Line – Pode-se dizer que a dívida movimenta o capitalismo, já que ela financia os bancos?

Amir Khair – Sim. Quando você tem no país taxas de juros elevadas, você pune toda a sociedade, à exceção de quem? Dos grandes grupos privados que, tendo saldos disponíveis nas suas operações, aplicam nos títulos do governo e obtêm um lucro forte com isso; e dos bancos, que obtêm recursos a custo praticamente zero e aplicam em títulos do governo também, sem risco nenhum, ganhando lucros fantásticos.

Há uma transferência, portanto, de recursos através desse mecanismo de taxas de juros elevadas. Micro, pequenas e médias empresas são obrigadas a captar empréstimos com juros altos dos bancos, porque não têm acesso ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES. Também a população em geral, que, além de enfrentar dificuldades em termos de distribuição de renda, que ainda é muito desfavorável no Brasil, tem contra si a má distribuição tributária, sendo muito mais onerada com os tributos do que a elite, a parte superior da camada social. Quando a população compra alguma coisa financiada, e este tipo de compra é a mais usual entre as camadas de baixa renda, ela tem de pagar taxas de juros de 90% ao ano — ou 93%, como ocorreu em janeiro para compras com prazo de um ano.

Ou seja, a pessoa compra um bem e acaba pagando dois. Este é o principal freio da economia. E, ao ter que pagar por dois, este outro bem que ela paga em juros vai para o sistema financeiro. Há uma transferência de renda, uma bomba de sucção das pessoas, especialmente das camadas de menor renda média, que demandam crédito pagando taxas absurdas de juros, quando a média internacional nos países emergentes é de 10% ao ano. Aqui é de 93%!

IHU On-Line – Gostaria de adicionar algo?

Amir Khair – Apenas gostaria que o governo acordasse e botasse o motor em funcionamento da economia, que está praticamente andando de lado, crescendo 2% ao ano, mesmo nível de 1980 até 2002, e que é um nível muito insuficiente. Eu espero que a presidente acorde para a necessidade de mudanças na política econômica, que deixem de submeter o país a taxas de juros exorbitantes, seja da Selic ou seja simplesmente a demandada pelo setor financeiro para a sociedade.



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Desastres ambientais: bom negócio para o mercado financeiro

Bônus de catástrofe, derivado climático e hipoteca ambiental são seguros cada vez mais populares entre países afetados. Por Marcelo Justo, na Carta Maior

Os desastres ambientais são um bom negócio. Com o engenho que o caracteriza para a invenção de novos instrumentos de rentabilidade, o mundo financeiro criou um nicho para seguros contra desastres climáticos e naturais, cada vez mais popular entre países afetados por estes fenômenos.

Os bônus CAT (“Catástrophe bonds”) são a principal estrela deste firmamento, que também tem outros protagonistas como o derivado climático ou a hipoteca ambiental. Entre 2003 e 2013, foram emitidos cerca de US$ 40 bilhões de bônus CAT, dez vezes mais do que há uma década.

O negócio parece redondo. Os estados se protegem contra catástrofes que demandariam um investimento acima de suas possibilidades e os investidores cobram juros altíssimos frente a eventualidades que raramente ocorrem. Segundo a revista britânica The Economist, dos 200 bônus catástrofe emitidos desde os anos 90, só três terminaram com uma indenização. O acadêmico estadunidense Chris Williams, autor de “Ecologia e Socialismo”, indicou à Carta Maior três fatores que estão contribuindo para este boom dos seguros contra desastres naturais.

“Por um lado, a financeirização da economia mundial. Há 30 anos, as finanças constituíam cerca de 7% da economia. Hoje representam 25%. O capital busca cada vez mais sua rentabilidade não no setor produtivo, mas sim no financeiro-especulativo. A catástrofe ambiental lhe dá uma oportunidade perfeita pela crescente frequência de desastres naturais. Acrescente-se a isso os problemas orçamentários que muitos países experimentam, e o negócio está pronto”.

Williams dá o exemplo do bônus CAT emitido pelo serviço de transporte de sua própria cidade, a Rede de Transporte Público de Nova York (MTA), depois do furacão Sandy, em 2012. “Estamos vendo uma grande transferência de fundos públicos para o setor privado porque, quando olhamos a baixa frequência de pagamentos dos bônus devido às condições de pagamento e às exclusões, nos damos conta que os investidores terminam ganhando muito dinheiro. Por outro lado, há um forte risco financeiro se um furacão como Sandy se repetir e eles tiverem que pagar indenizações. As seguradoras e resseguradoras têm realmente os bilhões de dólares que tem que desembolsar num caso destes? É uma pergunta que ninguém quer fazer porque muitas dessas empresas estão tão endividadas, que ninguém sabe se teriam o dinheiro”.

Em fevereiro deste ano, o Escritório das Nações Unidas para  Redução do Risco de Desastres (UNISDR) encabeçou uma missão ante o congresso filipino para promover o Philippine Risk and Insurance Scheme for Municipalities, depois que o super tufão Haiyan deixou mais de seis mil mortos e um milhão e meio de habitações destruídas ou danificadas. “As Filipinas têm cerca de 20 tufões por ano. O que precisamos é de um esquema simples que possa fornecer proteção às municipalidades antes da próxima temporada”, justificou Margareta Wahlström, diretora do UNISDR.

Os danos materiais do tufão Haiyan rondam a casa dos 13 bilhões de dólares, soma astronômica para um país com as características das Filipinas. Se o impacto dos desastres naturais é um golpe para os países ricos, pode ser devastador para nações em desenvolvimento ou pobres como o Haiti. O menu de opções dos estados é reduzido: a assistência internacional, o endividamento e o aumento de impostos (que exigem tempo), ou os fundos que tenham sido previstos no orçamento para este propósito.

Estes fundos são previstos para eventos de baixa ou média intensidade, mas não para grandes tragédias, já que os estados não podem congelar enormes somas que limitariam outras demandas orçamentárias (educação, saúde, segurança, etc.) em função de fatos hipotéticos (terremoto, inundação, tsunami, etc.). Daí que, com frequência, se revelam insuficientes. Em 1996, o México criou um fundo para desastres naturais chamado “Fonden” (Fundo de Desastres Naturais) que fez água em 2010 quando o país teve que enfrentar desastres naturais em 18 dos 31 estados e em 850 dos 2.500 municípios.

Neste sentido, perguntou Carta Maior a Williams, os seguros não representam uma solução. Ou seja, ganham dinheiro, mas se expõem e, em caso de tragédia, oferecem uma saída a estados com recursos que, por definição, são finitos. Ele respondeu:

“Esse é precisamente o argumento que utilizam. Mas a realidade é que este seguro termina desviando o investimento que necessitamos fazer para evitar que a catástrofe ocorra, em primeiro lugar. O seguro instala a ideia de que estamos protegidos e, portanto, não é preciso gastar em prevenção. Além disso, se tomamos o exemplo do MTA em Nova York, uma das razões pelas quais ocorreram tantos cortes orçamentários nos últimos tempos é porque estão pagando dívidas feitas com o setor privado. De modo que o MTA está pagando esta dívida com recursos de sua própria receita de bilheteria, o que o limita para fazer as tarefas de prevenção requeridas”.

Segundo um recente informe publicado pelo New England Journal of Medicine, o número de desastres naturais triplicou entre 2000 e 2009, cm comparação com a década 1980-89. Nas últimas duas décadas, cerca de 217 milhões de pessoas foram afetadas a cada ano por desastres naturais.

Em outras palavras, questionou a Carta Maior, a tendência é de um aumento deste tipo de eventos em um contexto econômico internacional complicado. Não é inevitável que siga este boom dos bônus CAT e de novas variantes deles para fenômenos ambientais?

“É a tendência. Quando se emitiu o bônus para o MTA houve um excesso de interessados. Estamos falando de um mercado que nos últimos três ou quatro anos se converteu em um negócio multimilionário. Este crescimento é intensificado pelos problemas fiscais. Mas, para além desse quadro, a questão é saber como vamos lidar com esses fenômenos no médio e no longo prazo. Faltam soluções sistêmicas. Esta não é uma mera questão tecnológica nem vai ser solucionada por meio do mercado ou de uma maior consciência individual. Necessitamos de uma alternativa ao atual sistema de produção e distribuição para conseguir uma solução duradoura e sustentável.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer



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Taxa Tobin para deter transações de alta frequência

Especulação frenética por algoritmos computadorizados leva mais gente a apoiar TTFs. FBI investiga irregularidades no setor. No The Guardian / Tradução: Inês Castilho

O lado sombrio do mundo de transações algorítmicas nos mercados financeiros esteve em evidência duas vezes, semana passada. Primeiro foi a divulgação do explosivo livro de Michael Lewis's, “Flash Boys: Decifrando o Código do Dinheiro” (Flash Boys: Cracking the Money Code), que destaca várias práticas preocupantes num setor que responde por cerca de metade do que é negociado nas bolsas de valores de Nova York e Londres. Segundo, o anúncio do FBI, dia 2 de abril, de que daria início a uma investigação criminal sobre malfeitos no setor.

Durante os 18 anos em que trabalhei no JP Morgan, e por mais de uma década, depois, observei e participei da inexorável transformação dos mercados, possibilitada pelos avanços da tecnologia. Seu papel principal de aumentar o capital, alocar recursos de forma eficiente e mitigar riscos tem sido lenta e seguramente nocauteado por uma cacofonia frenética de especulação.

Os mercados de capital não são mais o meio para responder às necessidades de alocação de capital da economia real, mas tornaram-se um fim em si mesmos. Esse fim é o “negócio” da especulação, que está completamente desequilibrado e, portanto, deixou de ser saudável para a economia real.

Os contratos de derivativos, do modo como foram pensados e inicialmente utilizados, conectavam mercados de capitais nacionais a um mercado global mais eficiente e interconectado, para o benefício de mutuários, investidores e mesmo intermediários.

Eles foram também usados para gerenciamento de risco genuíno, em que uma empresa de transportes, por exemplo, compra um fundo de hedge de petróleo para garantir custos operacionais previsíveis. Mas tornaram-se a ferramenta preferida de especuladores agressivos, em mega-escala.

Em nenhuma área das finanças a tecnologia teve maior impacto do que no crescimento das negociações algorítmicas, conhecidas como transações de alta frequência. Inicialmente, algoritmos computadorizados aumentaram a eficácia dos operadores humanos, reforçando a liquidez e reduzindo custos de compra e venda.

Com o tempo, essas mesmas estratégias de negócio quantitativas transformaram-se em centros de transações especulativas proprietárias, às vezes de natureza bastante predatória. Seu domínio no mercado já levou a "falhas flash" como a de maio de 2010, quando o índice Dow Jones caiu 9% em questão de minutos, varrendo bilhões do valor das empresas.

Embora as transações impulsionadas por algoritmos tenham várias aplicações legítimas, as transações de alta frequência são, no seu pior, uma frente contínua e sistemática de fluxo de pedidos. Chamamos isso de roubo. Não admira que o FBI esteja investigando o setor.

Cientistas que pesquisam sistemas entendem que existe, em qualquer sistema, uma necessidade de equilibrar a eficiência do sistema (resultando em alto rendimento) com a resiliência do sistema (resultando na capacidade de resistir a choques).

No caso dos mercados financeiros, contudo, a balança se inclinou demais em favor da velocidade e aparente eficiência, deixando os mercados altamente frágeis e mais suscetíveis a entrar em colapso.

Altos níveis de alavancagem financeira torna-os vulneráveis a eventos como a crise financeira de 2008 e os numerosos minicrashes que ocorreram desde então, e continuam a ocorrer.

Há um contra-argumento de que o aumento do volume de transações é bom, uma vez que auxilia os mercados a absorver e responder a choques. Mas isso é confundir volume com liquidez.

O primeiro desaparece em tempos de crise, conforme os especuladores desligam seus algoritmos e sacam sua (falsa) liquidez do mercado. É pouco mais que uma miragem. Isso pode disparar um efeito cascata, à medida que os investidores de dinheiro real recuam em legítima defesa e, às vezes, fogem em pânico. De repente, quando é mais necessário, os mercados ficam vazios da verdadeira liquidez.

Essa é a razão pela qual sou um defensor da política que ocupa as manchetes no momento – a taxa sobre transações financeiras ou taxa Tobin, consistente com a iniciativa que 11 países europeus estão implementando, de uma TTF entre 0,01% e 0,1% em transações de ações, títulos e derivativos.

O imposto recai desproporcionalmente sobre as especulações de curto prazo, como as transações de alta frequência e, para eliminá-las, é provavelmente muito mais eficaz do que complexas camadas de novas regulações.

A taxa irá, como disse James Tobin 40 anos atrás, quando propôs a TTF, jogar “areia nas engrenagens” dos mercados financeiros internacionais, encorajando os participantes do mercado a mudar na direção de estratégias de investimento genuíno, de longo prazo, nas quais as consequências da taxa têm pouco peso.

Se a TTF causar uma mudança que reduza, mesmo que modestamente, a fragilidade dos mercados e o risco de futuras crises mais profundas – altamente prejudiciais à eficiência de longo prazo da economia real, a única que realmente importa –, terá valido a pena.

Se, no processo, a TTF encorajar alguns jovens a aplicar seu talento criativo em algo mais produtivo à sociedade que a especulação, tanto melhor. E podemos certamente fazer bom uso dos ganhos adicionais, calculados em dezenas de bilhões de dólares.

Os 11 países europeus que estão implementando a TTF não estarão abrindo um precedente. Numerosos países, inclusive aqueles com mercados crescentes, como Hong Kong, Cingapura, Ãfrica do Sul, Ãndia e Suíça, têm TTFs que arrecadam para seus governos, anualmente, receitas de bilhões.

Mesmo os dois maiores centros financeiros do mundo, que se mantêm em oposição à TTF europeia – os EUA e a Inglaterra –, já têm suas próprias pequenas TTFs, embora não costumem reconhecer.

Raramente, ou nunca, se ouviu uma palavra sequer sobre problemas causados à economia real, ou mesmo aos mercados de capitais, pelas taxas sobre transações já existentes e em bom funcionamento, porque elas são praticamente invisíveis, perfeitamente integradas em sistemas de negociação e práticas de investimento. Contudo, elas deveriam ser, igualmente, aplicadas em todos os instrumentos de negociação.

Como um ex-profissional do setor bancário, compreendo perfeitamente que a TTF não é, como esperam alguns, uma cura milagrosa para todos os erros de Wall Street. Isso só pode ser conseguido por uma reforma estrutural, como entendia Theodore Roosevelt.

Mas é um captador de recursos comprovado, e uma intervenção política afiada para ajudar a combater o efeito negativo causado em toda a economia por um setor financeiro dominado por uma especulação corrosiva.

John Maynard Keynes, ele próprio um especulador, foi talvez quem disse da melhor forma: "Os especuladores podem não causar danos, como bolhas, num fluxo constante de empreendimentos. Mas a questão fica séria quando os negócios tornam-se a bolha, num redemoinho de especulação. Quando o desenvolvimento do capital de um país torna-se subproduto das atividades de um cassino, as coisas provavelmente não vão bem."

Uma lição que ignoramos por nossa conta e risco.



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A campanha pelas TTF demanda uma taxa sobre as transações financeiras internacionais – mercados de câmbio, ações e derivativos. Com alíquotas menores que 1%, elas incidirão sobre um volume astronômico de recursos pois esses mercados giram trilhões de dólares por dia.

http://www.outraspalavras.net