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A lenta, mas firme desagregação da esquerda europeia, depois da quebra da URSS, está ancorada em fatores objetivos, tais como as mudanças no padrão de acumulação capitalista -pós-industrial, como já analisavam alguns economistas há trinta anos - que atravessaram a sociedade de alto a baixo.
Estas mudanças alteraram as expectativas políticas, o modo de vida, as demandas do mundo do trabalho e da constelação de prestadores de serviços, dos técnicos das atividades da inteligência do capital, dos sujeitos dos novos processos do trabalho e de amplos contingentes da juventude.
Estes, originários de famílias das classes médias, que perderam o seus status social e o seu poder aquisitivo, adquiridos na era de ouro da social-democracia. A social-democracia não se renovou, nem o comunismo, para responder a estas transformações.
A desagregação, todavia, também está ancorada na ausência de respostas - fator subjetivo dominante - dos núcleos dirigentes da esquerda comunista e social-democrata. Esta falta de formulação superior pode, parcialmente, ser atribuída a uma ausência de caráter - pela acomodação teórica e doutrinária dos seus dirigentes - mas este não é, certamente, o fator preponderante: o vazio de respostas de esquerda à nova crise do capital tem outras determinações mais fortes. Mesmo aqueles que se jogaram para uma posição movimentista - mais, ou menos, corporativa - aparentemente radical (ou os que se propuseram a enfrentar o retrocesso com práticas de Governo ou com novas elaborações no âmbito acadêmico) não conseguiram - nos seus respectivos espaços de interferência - abrir novos caminhos que se tornassem hegemônicos.
A adesão da social-democracia francesa, italiana, espanhola e portuguesa para exemplificar - aos remédios exigidos pela União Européia (leia-se Alemanha), põe por terra as esperanças de que algum governo europeu, num futuro próximo, possa inspirar mesmo uma saída social-democrata de novo tipo à crise atual. Tudo indica que a recuperação da Europa capitalista virá por um canal social-liberal, depois de um longo período de reestruturação das classes em disputa.
Teremos perdas significativas para os trabalhadores do setor público e privado, para as micro, pequenas e médias empresas, que são responsáveis pela maior parte da oferta de empregos. A isso se agregará uma forte pressão sobre os imigrantes e a crescente redução dos gastos públicos, destinados à proteção social. Paralelamente a este desmantelamento tudo indica que crescerão as alternativas nacionalistas de direita, de corte autoritário e mesmo neo-fascistas, pois o vazio que gera desesperanças pode fazer renascer o irracionalismo das utopias da direita extrema.
Se isso é verdade, o nosso problema brasileiro é bem maior do que parece. A contra-tendência instituída no Brasil, que criou dez milhões de empregos no mesmo período em que foram destruídos mais de sessenta milhões de postos de trabalho em todo o mundo, está sob assédio. O nome deste assédio é a garantia do pagamento rigoroso - com juros elevados - da dívida pública, para que o sistema financeiro global do capital possa ter reservas destinadas a bancar as reformas e por em funcionamento um novo ciclo de crescimento das economias do núcleo orgânico do capitalismo global.
Cada uma das alternativas que sejam propostas para o próximo período, visando desenvolver o país, combatendo as suas desigualdades sociais e regionais - sejam elas de inspiração neo-keinesiana ou socialista - só poderão ter efetividade e capacidade de implementação política se mostrarem de maneira coerente como elas se comunicam, acordam ou confrontam, com este cenário global. Ou seja: como as alternativas poderão ser efetivas no território, numa situação de domínio integral do capital financeiro sobre os cenários econômicos e políticos do mundo.
O internacionalismo hoje é, conjunturalmente, mais democrático e social do que propriamente proletário, naquele sentido clássico que foi proposto pelo filósofo de Trévèrs. As conquistas democráticas e sociais das nações estão bem mais ameaçadas depois da crise que se iniciou com o sub-prime, pois os governos são vítimas de uma pressão brutal para reduzir, ainda mais, a sua autonomia política e assim integrar-se, pacificamente, nas contaminações globais da crise. Apresentar soluções internas, portanto, é também apresentar alianças de sustentação destas políticas no cenário internacional, para que as propostas não sejam voluntaristas ou demagógicas
Caso as formações políticas e os governos não consigam apresentar alternativas aceitas pelo senso comum, dificilmente terão apoio popular para governar. O seu fracasso - e o povo sabe disso - terá reflexo imediato como aniquilamento das conquistas de inclusão social, econômica e produtiva, que ocorreram no Brasil nos últimos dez anos.
Este é, na verdade nos dias que correm - o dilema, tanto demo-tucano e marino-campista, como do extremismo corporativista e movimentista: ambos deveriam responder qual é, nos quadros da democracia política, o efeito imediato na vida das famílias - especialmente das chamadas novas classes médias e dos trabalhadores - dos seus projetos concretos de Governo, demonstrando como é possível aplicá-los pela via democrática.
Os ataques à Petrobras, que vem sendo modulados, tanto pela direita neoliberal como pelas oposições anti-PT e anti-Lula - de corte direitista e esquerdista - talvez sejam a síntese mais representativa desta dificuldade. O ataque, turbinado pela grande mídia, dá espaço para estes grupos políticos não dizerem, de forma clara (se fossem eleitos), o que fariam com a economia e com as funções públicas do Estado, no próximo período.
Unidos, esquerdismo e neoliberalismo, desta vez no ataque ao Estado - não somente ao Governo -, ficam absolvidos de fazerem propostas para dizerem como o país deverá operar, gerando emprego e renda, ao mesmo tempo que se defende da tutela do capital financeiro e das pressões da dívida pública.
A desmoralização de um ativo público da dimensão da Petrobras, os ataques ao seu aparelhismo político, a crítica aos gastos públicos excessivos (programas sociais, na verdade), os ataques às políticas do BNDES - de forma combinada com um permanente processo de identificação da corrupção com o Estado e com os Partidos em geral - fecham um quadro completo do cerco ao país: liquidem com a Petrobras e teremos o Estado brasileiro pela metade; acabem com os gastos sociais e teremos uma crise social mais profunda do que a das jornadas de junho; restrinjam o BNDES e o crescimento que já é pífio - se reduzirá ainda mais; desmoralizem os partidos e a política e a técnica neoliberal substituirá o contencioso democrático.
Como os militares estão aferrados às suas funções profissionais e constitucionais e não estão para aventuras, o golpismo pós-moderno vem se constituindo através da direita midiática. Esta, se bem sucedida no convencimento a que está devotada, encarregaria um novo Governo social-liberal da desmontagem do atual Estado Social moderado, obtido no Brasil num cenário mundial adverso.
Lido este cenário de refluxo da esquerda e de retomada dos valores do neoliberalismo selvagem, que devasta as conquistas da social-democracia europeia, pode-se concluir que o debate verdadeiro no processo eleitoral em curso - momento mais importante da nossa democracia republicana concreta - é o seguinte: ou o projeto lulo-petista se renova, baseado no muito que já fez e conquista novos patamares de confiança popular; ou o refluxo direitista liberal, que assola a Europa, chegará em nosso país pela via eleitoral, legitimado por eleições democráticas.
A semeadura da insegurança, que precede as inflexões para direita, está em curso em todos os níveis e para responder a esta sensação manipulada - que vai da economia à segurança pública - é preciso dizer de maneira bem clara quais os próximos passos contra as desigualdades e contra perversão da política e das funções públicas do Estado. Chegamos a um momento de defesa política de um modelo novo combinado com a velha luta ideológica.
Recentemente o MST, no seu Congresso Nacional, deu uma demonstração de acuidade política e clareza programática. Fez a vinculação da questão agrária do país a um novo conceito de reforma: vinculou as demandas particulares dos deserdados da terra à produção de alimentos sadios para os cidadãos de todas as classes, numa verdadeira rebelião agroecológica, que faz a disputa no terreno da produção e da política. Particularmente ele se reporta àqueles que mais sofrem os efeitos fast-foods, turbinados por agrotóxicos e por malabarismos genéticos, cujos efeitos sobre a espécie humana ainda não são avaliáveis na sua plenitude.
Trata-se, na verdade, da superação de uma demanda particular de classe uma reforma agrária baseada na mera redistribuição da propriedade - para um plano universal de interesse da totalidade do povo, sem a perda das suas raízes classistas. Belo exemplo que vem do povo para ser absorvido e renovar a cultura política da esquerda.
O capital financeiro, no mundo, está vencendo, mas pode ser barrado pela imaginação criadora de uma esquerda que seja consciente da grandeza das suas tarefas nos momentos de refluxo. O MST deu um belo exemplo. A esquerda o seguirá?
"A reforma agrária fixa o homem no campo e desfaveliza o país." É a ideia central, hoje, do discurso que, com perseverança, põe em prática há 35 anos o fundador e uma das lideranças mais expressivas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o economista gaúcho João Pedro Stédile, de 61 anos. Carismático, um dos pensadores de raiz marxista e dos ativistas de esquerda mais importantes do país, Stédile não hesita em dizer: "Perdeu-se a oportunidade histórica de fazer a chamada reforma agrária clássica no Brasil." Para ele, o importante agora é a luta resultante da aliança entre os trabalhadores do campo e os da cidade - os que farão a reforma agrária popular. E acrescenta: "A cidade grande é o inferno em vida para o camponês, pois sobra para ele a favela e a superexploração."
Gaúcho nascido na cidade de Lagoa Vermelha, região de agropecuária do nordeste do Rio Grande do Sul, nesta entrevista exclusiva a Carta Maior João Pedro relembra três datas seminais do MST, 17 de abril: o Dia Nacional da Luta pela Reforma Agrária, o Dia Mundial da Luta Campesina e os 18 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, no sul do Pará, quando 1500 trabalhadores rurais foram brutalmente agredidos pela Polícia Militar do estado e 18 trabalhadores foram por ela assassinados. Privatizações de terras, de acesso aos minérios do subsolo do país , de águas, fontes naturais, lençóis freáticos, e até do ar da Amazônia estão na pauta da nossa conversa, assim como o tema do agronegócio: "A mídia é a arma para protegê-lo e aos seus lucros", lembra o líder do MST.
Carta Maior: Quais as mudanças nas ações do MST a partir deste ano?
Stédile: A reflexão coletiva no MST e na Via Campesina Brasil é a de que, no passado, estava posto um programa de reforma agrária que visava resolver o problema de terra de trabalho, e ao mesmo tempo desenvolver as forças produtivas, o mercado interno para a indústria nacional e assim participava do processo de desenvolvimento nacional.
Esse tipo de reforma agrária ficou conhecido como reforma agrária clássica. Ele se realizava quando havia condições de uma aliança tácita entre os camponeses que precisavam de terra e a burguesia industrial, que precisava de mercado interno. No Brasil, chegamos mais próximo dessa possibilidade na crise da década de 60 quando o governo Goulart apresentou um projeto de reforma agrária clássica, que era também revolucionário para a época. Ele apresentou o projeto dia 13 de março e caiu dia 1 de abril.
Mais tarde, esse programa poderia ainda ter sido implementado na redemocratização do país, no governo Tancredo, quando José Gomes da Silva, nosso maior especialista em reforma agrária clássica foi presidente do Incra. Ele preparou um plano que previa assentar 1,4 milhões de famílias em quatro anos. Apresentou ao Sarney dia 4 de outubro e caiu dia 13 de outubro de 85. Quando Lula chegou ao governo também imaginávamos que esse programa poderia ser retomado. Mas aí o contexto econômico e político já era outro. E a reforma agrária clássica ficou nas calendas.
CM: A reforma agrária clássica, então, não tem mais sentido aqui no Brasil? E o que é projetado no lugar dela para que se cumpra, enfim, a justiça social e econômica no campo?
Como eu disse: a reforma agrária clássica visava resolver a questão do trabalho no campo e o desenvolvimento industrial com mercado interno. Nos tempos atuais, o que hegemoniza o capitalismo é o capital financeiro e as empresas transnacionais que controlam o mercado mundial de alimentos. Para essa classe dominante não interessa mais reforma agrária, de nenhum tipo, pois eles não precisam de mercado interno, nem de camponeses, nem de indústria nacional. E por isso estão implementando um novo modelo de controle da produção agrícola pelo capital, que é o agronegócio.
O agronegócio representa os interesses apenas dos grandes proprietários de terra, do capital financeiro e das empresas transnacionais. Um modelo baseado na monocultura, em que cada fazenda se especializa num só produto como soja, cana, pastagens ou eucalipto. (No Brasil de agora, 80% de todas as terras se dedicam apenas a esses cinco cultivos.) Em lugar de usar mão-de-obra eles fazem uso intensivo de máquinas agrícolas e de venenos, ambos controlados pelas empresas transnacionais. Destroem o meio ambiente, pois o único objetivo é o lucro máximo. E estão completamente dependentes do capital financeiro, que adianta o crédito para que comprem os insumos das empresas transnacionais - e assim se fecha o ciclo.
Meia dúzia de empresas fica com o lucro, e o povo fica desempregado e com passivo ambiental, que já está afetando o clima até nas cidades. Por isso, não interessa mais reforma agrária clássica para a classe dominante atual. E ela está inviabilizada para os camponeses. Então, nós temos levantado a tese da necessidade de lutar por um novo tipo de reforma agrária que chamamos de reforma agrária popular.
CM: O que você chama de "reforma agrária popular"?
Diante dessa nova realidade agrária, com o domínio do capital internacional e financeiro, fizemos um intenso debate dentro do MST que envolveu toda nossa militância, nossa base, intelectuais e professores, amigos, durante dois anos. E terminamos com a realização do evento do VI Congresso Nacional há menos de dois meses, em fevereiro deste ano onde aprovamos essa formulação da necessidade de uma reforma agrária popular.
Reforma agrária popular porque agora ela precisa atender não só as necessidades dos camponeses sem terra, que precisam trabalhar. Mas as necessidades de todo o povo. E o povo precisa de alimentos, alimentos sadios, sem venenos, precisa de emprego, precisa de desenvolvimento da agroindústria, precisa de educação e cultura. Então, o nosso programa de reforma agrária de novo tipo, parte da necessidade de democratização da propriedade da terra, fixando limites, e propõe a reorganização da produção agrícola, priorizando a produção de alimentos sem venenos. Para isso precisamos adotar e universalizar uma nova matriz tecnológica que é a agroecologia. E foi isso que pedimos ao Silvio Tendler para mostrar em seu novo documentário, O veneno está na mesa 2.
Como é possível e necessária a matriz da agroecologia para produzir alimentos sadios que beneficiam toda a população e evitam as enfermidades, sobretudo o câncer, provocado pelos alimentos contaminados por agrotóxicos. O Instituto Nacional do Câncer advertiu que, neste ano de 2014, teremos 526 mil novos casos de câncer entre os brasileiros. A maior parte deles de mama e de próstata. Precisamos de uma reforma agrária que valorize a vida no interior, gerando emprego para jovens. E para isso propomos a implantação de milhares de pequenas agroindústrias na forma de cooperativas que vão dar emprego a milhões de jovens que precisam estudar. Propomos a democratização da educação para que todos tenham os mesmos direitos e oportunidades sem sair do meio rural.
CM: Você tem denunciado que nesse modelo do agronegócio privatiza-se até o ar. Como é isso?
De fato, entre as características desse novo modelo do capital, é que este, agora mais poderoso, pois é dominado pelo capital financeiro e pelas empresas transnacionais, quando chega à agricultura, e procura se apropriar de todos os recursos naturais para tirar lucro máximo.
Em períodos de crise capitalista no hemisfério norte, como o que estamos vivendo, essa necessidade deles aumenta, pois a apropriação privada dos recursos naturais, seja terra, minérios, água, energia elétrica, é fonte inesgotável de uma renda extraordinária, mais além da exploração do trabalho. Pois os recursos estão na natureza, e eles, ao se apropriarem desses recursos, colocam-nos no mercado a preços bem acima do seu valor, medido pelo custo de produção.
Para isso, desde a implantação da hegemonia do neoliberalismo, foram impondo condicionamentos jurídicos, em todos os países do mundo, sob orientação dos Estados Unidos e dos organismos internacionais a seu serviço, como FMI, OMC, Banco Mundial, para garantir a propriedade privada de bens da natureza. Então, pela lei de patentes (aprovada em 1995), eles agora podem ser donos das sementes. Para isso fazem mudanças genéticas e dizem que é um novo ser vivo, transgênico, produzido em laboratório. Privatizaram as águas. Seja nos lençóis freáticos, seja nas fontes naturais. Privatizaram o acesso aos minérios.
CM: As riquezas do subsolo do país, propriedade da população e que deveriam estar a serviço do povo, não escaparam desse processo de espoliação.
O Brasil concedeu, nos últimos anos, sob a gestão da velha Arena, que até hoje não largou a teta do Ministério de Minas e Energia, mais de oito mil licenças de mineração no nosso subsolo para empresas privadas que deveriam estar a serviço de todo o povo. E agora, como você disse, estão tentando privatizar o oxigênio produzido pelas florestas nativas. Medem pelo GPS a quantidade de oxigênio produzido pelas florestas, emitem um documento que estabelece certo valor e isso se converte em dólares como crédito de carbono que é vendido na Europa para as empresas poluidoras se justificarem e assim continuarem poluindo. Aqui, no Brasil, até a empresa Natura está praticando isso.
CM: Como agem as transnacionais dessa área no Brasil, hoje?
Para se ter uma ideia, por outro lado, em termos de valores, da crise mundial de 2008 para cá entraram no Brasil mais de 200 bilhões de dólares que foram aplicados em recursos naturais. Somente no setor sucroalcoleiro, que era propriedade da tradicional burguesia nacional, agora apenas três empresas transnacionais (Cargill, ADM e Bunge) controlam mais de 50% de todo setor.
CM: Muito importante você enfatizar estes temas: mudança de parâmetros da agricultura no país e uma agricultura voltada para a produção de alimentos. Quais os novos parâmetros?
Nossa análise coletiva considera que a organização da produção de alimentos e dos produtos agrícolas tem que estar submetida a outros parâmetros. Os capitalistas, com seu modelo do agronegócio, fundam sua ação baseados apenas no paradigma da produção de mercadorias para o mercado mundial, na busca incessante do lucro máximo, do aumento da produtividade do trabalho e da produtividade física de cada palmo de terra.
Nós queremos reorganizá-la baseada em outros parâmetros. Baseados na história da civilização que sempre viu os alimentos como um bem e não como mercadoria. Visão de que todos os seres humanos têm direito a se alimentar. Na produção agrícola em equilíbrio com a natureza, e não contra ela. E, sobretudo, organizando a produção para que dê trabalho à pessoas, para que elas tenham renda e possam viver em boas condições e felizes, no interior, sem cair na ilusão de que somente serão felizes se vierem para a cidade grande. Cidade grande é o inferno em vida para o camponês. Pois sobra para ele apenas a favela e a superexploração.
CM: Mas e a bancada ruralista, com trânsito livre nos palácios de Brasília, e o agronegócio... não aceitam esses parâmetros...
Claro, eles são os porta-vozes da classe dominante. Os capitalistas, para manterem seus altos lucros no campo espoliam a natureza e expulsam o povo do interior e se protegem num estado burguês, que é o estado brasileiro. Protegem-se fazendo leis apenas para seus interesses, como fizeram nas mudanças do código florestal etc. Protegem-se com o seu poder judiciário que é o poder ainda monárquico, que inviabiliza as desapropriações para reforma agrária, que impede a legalização das terras indígenas e de quilombolas, que impede inclusive as desapropriações das fazendas com trabalho escravo, como determina a Constituição - mas que eles não cumprem.
E tudo isso é respaldado pela mídia televisiva, sobretudo a Globo, a Bandeirantes, SBT, que manipulam todos os dias o nosso povo para lhes dizer que o agronegócio é a única solução. Que o agronegócio é que sustenta o Brasil, quando é justamente o contrário. A mídia é a arma ideológica para proteger o agronegócio e seus lucros.
CM: Como se dará a mudança do foco das ações, deslocado para o urbano? Como é esta aliança do MST com as cidades?
O nosso programa de reforma agrária popular implica agora em envolver todo o povo, pois ela não interessa apenas aos sem-terra. E, portanto, temos que explicar ao povo, à classe trabalhadora que a reforma agrária é necessária para ele se alimentar melhor, de forma sadia, sem venenos. Que o programa de agroindústrias vai dar emprego, que universalizar a educação no interior vai gerar milhões de empregos para educadores etc.
Esta aliança vai se fazendo através da construção de uma consciência coletiva de todas as classes trabalhadoras. Por um plano de lutas conjunto que envolva a todos na luta por mudanças sociais. E, sobretudo, num programa político de mudanças para o país que unifica todos os setores da classe trabalhadora da cidade e do campo.
Tudo isso leva tempo, exige energias, mas é o caminho para construirmos verdadeiras mudanças na cidade e na agricultura. Para isso teremos que travar muitas batalhas, passar por muitos "pedágios" que a classe dominante vai nos impor.
CM: E as cidades? A cidade virou um grande negócio que alija os mais pobres cada vez mais para os seus confins. Mas como mudar isto?
Os territórios urbanos, as cidades e suas periferias também estão sendo vitimas desse modelo do grande capital que igualmente quer a renda extraordinária nas cidades, conquistada através da especulação sobre os preços dos prédios, dos terrenos, dos espaços urbanos. A diferença entre o valor real de uma casa, de uma praça, de um prédio, e o preço de mercado, que eles impõem, é que representa a renda da qual eles se apropriam e que toda sociedade acaba pagando.
Pior, os trabalhadores acabam sendo expulsos para as periferias de uma maneira permanente, e ali os transportes públicos não chegam. Ou foram privatizados. Ou são caríssimos. Por isso, a bandeira de luta de tarifa zero para os transportes públicos em todas as grandes cidades é mais do que justa e necessária.
A par de tudo isso, como tem defendido nossa querida professora Ermínia Maricato, somente uma grande reforma urbana que devolva ao povo o direito de usar a sua cidade. As cidades foram usurpadas do povo, e agora pertencem apenas aos especuladores, aos bancos e à indústria automobilística.
CM: O mais recente governo do PT foi decepcionante?
Os governos Lula e Dilma não foram governos do PT, nem da classe trabalhadora. Foram governos de composição de classe, que gerou um programa de governo do neodesenvolvimentismo, que se propunha a fazer a economia crescer, distribuir renda e retomar o papel do Estado suplantando o mercado (dos tempos do neoliberalismo). Nesse sentido eles cumpriram o programa, e nesse programa todas as classes ganharam um pouco, sendo que, como diz o próprio Lula, os banqueiros foram os que mais ganharam.
Mas esse programa e essa composição de classes, na opinião dos movimentos sociais, bateram no teto. E agora já não conseguem mais resolver os problemas fundamentais do povo que ainda padece com falta de moradia digna, emprego qualificado, acesso à universidade, e transporte público civilizado. As manifestações do ano passado foram o sinal de que o modelo do neodesenvolvimentismo chegou ao seu limite.
E, como disse antes, espero que os setores organizados da classe trabalhadora construam um programa unitário de mudanças, e retomem a iniciativa das mobilizações de massa. Isso permitiria termos, no futuro, governos também populares, que possam fazer as mudanças estruturais de que precisamos. Por ora, os movimentos sociais de todo país construíram uma unidade em torno da necessidade de uma reforma política que devolva ao povo a soberania para escolher seus representantes.
Já que, no regime atual, as empresas sequestraram as eleições. Veja: segundo o TSE, em torno de 2262 empresas gastaram mais de 4,6 bilhões de reais, nas últimas duas eleições, sendo que 80% desses recursos foram de apenas 117 empresas. Ou seja, o novo colégio eleitoral, que decide quem deve ser eleito, são essas 117 empresas que usam o dinheiro para elegê-los. Isso precisa mudar, para salvar uma democracia frágil e capenga. Daí, a necessidade urgente de uma reforma política. Para tanto, será necessário convocar uma Assembleia Constituinte soberana (na forma de ser eleita) exclusiva para essas mudanças.
CM: Mas a força do MST está intacta ou não? Vinte mil trabalhadores foram protestar defronte do Planalto, dois meses atrás. Acabaram sendo recebidos pela Presidenta Dilma.
O MST é uma pequena parcela do conjunto das forças populares do povo brasileiro. Nós temos procurado nos manter unidos, resistindo à avalanche do capital e mantendo nossos projetos de mudança. Outros setores da classe, influenciados pela pequena burguesia ou pela mídia, foram derrotados em seus projetos. Levamos nossos 15 mil militantes ao VI Congresso, como um espaço de unidade e de celebração de nossa mística da mudança. Por isso, fomos recebidos pela Presidenta, e apresentamos nossas ideias, sem ilusões. As mudanças não vêm de palácios; vêm das ruas e de um povo consciente e organizado; sempre foi assim na história da humanidade. E nós vamos seguir esse caminho.
CM: Esta semana, dia 17 de abril, mais uma vez é lembrada a data dos 18 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, quando 1500 trabalhadores sem-terra foram brutalmente agredidos pela Polícia Militar do Pará e 18 deles cruelmente assassinados por agentes daquela PM. Como está a situação do processo de punição dos policiais que participaram da ação criminosa? Como o MST está agindo sobre o assunto?
Nunca mais poderemos esquecer aquele 17 de abril de 1996, sendo presidente Fernando Henrique, quando a Polícia Militar do Pará, financiada pela empresa Vale, assassinou cruelmente 19 companheiros nossos. Posteriormente, outros dois vieram a falecer e há ainda até hoje 69 feridos, com sequelas graves.
O processo judicial se arrasta até os nossos dias. Apenas os dois comandantes foram condenados a mais de 200 anos de prisão. Porém apelaram, e estão em prisão domiciliar num quartel da PM de Belém, em apartamentos com todas as regalias de oficiais. Tradicionalmente, todos os anos repetimos, no mesmo local, um grande acampamento com a nossa juventude do MST da regional amazônica, para que os nossos jovens não se esqueçam, e ajudem a lutar por justiça e por reforma agrária.
Em todo o Brasil vamos fazer manifestações, cultos ecumênicos, e protestar perante o poder judiciário, que protege descaradamente apenas os interesses dos ricos e dos fazendeiros do país. Entre as suas reformas estruturais, o Brasil precisa de uma reforma do judiciário que democratize e coloque esse poder sob controle da sociedade. Haja visto como se comporta o imperador Joaquim Barbosa, com suas estripulias, megalomanias e diárias em tempos de férias. Ainda bem que ele comprou um apartamento em Miami, e imagino que seu sonho é ir morar lá...
Em todo o mundo, nos mais de cem países em que a Via Campesina está organizada, haverá manifestações, pois esse dia 17 de abril foi declarado Dia Mundial da Luta Camponesa. E até aqui no Brasil, envergonhado, no último ano de seu governo FHC assinou um decreto declarando o dia 17 de abril Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária. Então, nesse dia, é até legal você lutar pela reforma agrária.
O Veneno está na Mesa I: http://www.naturalmenteorganicos.com/apps/blog/document%C3%A1rio-o-veneno-est%C3%A1-na-mesa
A manhã de nove de abril foi um marco importante para a campanha TTF Brasil. Convidada pelo Presidente da 68ª Assembleia Geral da ONU, Alessandra Nilo, diretora executiva da Gestos HIV, Comunicação e Gênero, do Recife, e co-coordenadora da Campanha TTF Brasil, fez um pronunciamento na sessão O Papel das Parcerias na Implementação da Agenda do Desenvolvimento Pós 2015, organizadas pela Assembleia Geral e pelo Conselho Econômico e Social da ONU, em Nova York (EUA). Alessandra também falou em nome da ABONG- Associação Brasileira de ONGs e do Conselho Latioamericano e Caribenho de ONGs/AIDS.
Diante da preocupação pela influência das corporações no processo de definição da Agenda, o discurso, Ações necessárias para o futuro que queremos, deu grande ênfase à necessidade de regulação e accountability do setor privado, ao papel fundamental da sociedade civil na promoção da democracia e demandou a implantação de Taxas sobre Transações Financeiras (TTFs) para financiar as ações necessárias ao desenvolvimento sustentável.
O evento foi coordenado pelo Presidente da 68ª Assembleia Geral da ONU, John Ashe. Todos ele, o Presidente do Conselho Econômico e Social, Martin Sajdik e o Secretário-Geral, Ban Ki Moon, vieram conversar comigo após a apresentação. Foi interessante, o Ban Ki Moon disse: 'Eu escutei o que você falou'. Conseguimos um bom impacto e muitos representantes de governos, agências da ONU e sociedade civil pediram cópia do pronunciamento, disse ela.
Alessandra Nilo aproveitou a ocasião para entregar a eles, em mãos, um documento assinado por mais de 700 organizações, de diversas áreas e vários países, sobre a falta de conexão da Agenda com Direitos Humanos.
A influência das grandes empresas é muito visível na ONU, um tema que está preocupando muitos governos. Ao final do evento, também o Embaixador da Índia na ONU me procurou e pediu cópia do discurso, afirmando que compartilha muitas das nossas posições. Acha que o tema é difícil entre os nórdicos, mas o considera uma maneira importante de avançarmos, ao menos para pressionar a regulação dos mercados de capitais.
O discurso, publicado a seguir, foi distribuído pela missão do Brasil a todas as missões na ONU, a pedidos.
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Srs. Presidentes, Sr. Secretário-Geral, excelências, representantes governamentais e parceiros da sociedade civil, bom dia. Agradeço o convite para falar nesta sessão e congratulamos esta iniciativa de promover debates temáticos que, esperamos, irão inspirar a agenda de um novo modelo de desenvolvimento global pós 2015.
Focarei minha apresentação em quatro lições, aprendidas com o ODM 8 (Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 8: Todo mundo trabalhando pelo Desenvolvimento) sobre como fortalecer parcerias globais nesse novo quadro.
PRIMEIRA LIÇÃO: O PLANETA E AS VIDAS QUE NELE HABITAM NÃO ESTÃO À VENDA.
O mantra comprovadamente ineficaz de crescimento econômico a qualquer custo deve acabar. O desafio que enfrentamos hoje é realmente o de reconstruir um mundo repetidamente à beira do colapso. E a maneira como vimos firmando parcerias até aqui nunca nos levará a alcançar desenvolvimento sustentável para todos. Os ODMs demandaram Parcerias Globais lideradas pelos governos. No entanto, temos visto o poder das corporações ir além da noção institucional de "estados geridos por governos, corroendo, inclusive, a infraestrutura de serviços públicos já construída.
Vou abster-me aqui de aprofundar questões sobre a ganância e a corrupção que alimentam algumas dessas parcerias, bloqueando as reformas legais necessárias para que estas se alinhem com o desejável princípio de igualdade, liberdade e justiça social para todos e todas. Mas, apenas para alimentar nossa reflexão hoje, deixe-me lembrá-los que, enquanto nos reunimos, cerca de 30 trilhões de dólares estão depositados em Paraísos Fiscais internacionais. E que esse dinheiro vem de todas as regiões do mundo.1
Nossa realidade mostra que hoje a terra, o ar, a água e até mesmo nossos genes tornaram-se comercializáveis e foram transformados em produtos privados. As políticas comerciais não estão necessariamente alinhadas com as prioridades públicas e bens comuns, minando o acesso a serviços que deveriam ser universais, abrangentes, não discriminatórios, de alta qualidade e gratuitos.
Para muitos de nós, esse contexto explica, em parte, a combinação de crises que enfrentamos continuamente, incluindo insegurança alimentar, energia e mudanças climáticas. Mas, desafortunadamente, temos apenas uns poucos líderes corajosos o suficiente para demandar uma mudança na natureza de tais parcerias.
Esta é uma das razões pelas quais ainda enfrentamos uma ultrajante desigualdade global com quase um bilhão de pessoas vivendo com fome e pobreza extrema, enquanto 99 % da riqueza mundial é possuída por apenas 29 mil indivíduos, de acordo com o Credit Suisse. A pobreza não mais se limita por fronteiras ou classificação de países. A pobreza agora está em todo lugar: tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento.
O crescimento econômico baseado sobre a dominação assimétrica, inclusive sobre a desigualdade de gênero, mina a possibilidade de pessoas e países se beneficiarem igualmente do desenvolvimento. Não se trata, por exemplo, apenas de aumentar o poder econômico das mulheres para que elas possam alimentar a máquina do consumismo. Essa nova agenda tem que promover sua independência econômica e a autonomia porque isso lhes permitirá desfrutar de todos os direitos que têm, como cidadãs que são.
Tendo em vista as falhas sistêmicas do mercado neoliberal da década passada (e temos de reconhecer que falhou), é hora de os Estados reclamarem de volta a direção das Parcerias Globais para o Desenvolvimento.
Os Estados têm de ser os protetores e principais patrocinadores dos direitos humanos no desenvolvimento, em vez de meros facilitadores do enriquecimento do setor privado, sob a influência de trickle-down dogmas econômicos.2
Já é tempo de uma nova era de Democracia Econômica.
SEGUNDA LIÇÃO: UM FUTURO VERDADEIRAMENTE SUSTENTÁVEL E IGUALITÁRIO DEMANDA MECANISMOS FORMAIS DE ACCOUNTABILITY E UM AMBIENTE PROPÍCIO À PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL.
As futuras parcerias devem também considerar as organizações da sociedade civil como parceiros cruciais, reconhecendo nosso papel central na implementação da nova agenda de desenvolvimento Pós-2015.
Os objetivos atuais e as ferramentas de prestação de contas não valorizam a contribuição das comunidades e não reconhecem nosso papel fundamental no fortalecimento da democracia e da cidadania. O fato é que o modelo atual de parceria reduziu a sociedade civil a parceiros subcontratados e executivos, removendo o espaço para debates políticos sobre abordagens alternativas. O resultado é que programas relacionados a um advocacy crítico, aos direitos humanos e aos engajamento cívico estão recebendo cada vez menos atenção e recursos.
Nesse sentido, recomendamos que a nova agenda do desenvolvimento global inclua uma meta que promova parcerias entre a ONU, governos e sociedade civil em todos os níveis. Além disso, devem ser incluídos indicadores para medir a existência de um ambiente legal que habilite o trabalho da sociedade civil e que responda pela implementação de recursos, especialmente para trabalhos de advocacy.
Os resultados do ODM 6 (Combater a AIDS, a malária e outras doenças), por exemplo, deveria inspirar esse modelo de parceria. A resposta à AIDS tem sido única: as pessoas que vivem com HIV, assim como os que fazem advocacy em AIDS, alargaram as fronteiras em saúde sexual e reprodutiva e direitos sexuais, acesso a medicamentos, proteção social, comércio e práticas comprovadas de prestação de contas. Este movimento catalisou uma mudança social positiva inovadora, gerou novos mecanismos de governança e financiamento em nível nacional e internacional; mudou a forma como os serviços de saúde são entregues e produziu evidências de que a luta contra os determinantes de risco e vulnerabilidade ao HIV é um fator chave para sociedades mais saudáveis, mais equitativas e mais seguras.
Esta rica experiência deve informar os debates pós-2015, mas ainda há muito a ser feito. Por exemplo, um número elevado de parcerias para o desenvolvimento de drogas essenciais não são transparentes, não têm participação social, e estão realmente minando a sustentabilidade dos sistemas de saúde. Isso está acontecendo agora mesmo, por exemplo, no meu próprio país, o Brasil.
TERCEIRA LIÇÃO: NÓS SABEMOS ONDE O DINHEIRO ESTÁ. VAMOS ATRÁS DELE.
Responsabilidades comuns, mas diferenciadas, são essenciais quando se consideram os meios de implementação dos futuros objetivos de desenvolvimento sustentável. Assistência oficial ao desenvolvimento é um elemento chave para a promoção de parcerias multi e bilaterais e devem ser mantidas como prioridade.
Além disso, há também uma necessidade muito específica de projetar acordos vinculantes que visem resolver o lado do financiamento da implementação (dos novos Objetivos Estratégicos do Desenvolvimento). Neste contexto, mais do que nunca, o cumprimento das obrigações extraterritoriais é essencial para a regulação e prestação de contas das empresas transnacionais e, particularmente, do mercado financeiro.
A CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), por exemplo, relatou3 que em quase todos os países da América Latina os recursos internos não são suficientes para financiar o desenvolvimento nacional, especialmente nos países que enfrentam níveis altos e extremos de pobreza. A CEPAL demanda um sistema tributário progressivo em nível mundial e a implementação de mecanismos inovadores de financiamento tais como taxas globais, especialmente taxas sobre transações financeiras. Essa proposta realmente faz sentido! Especialmente quando consideramos que o sistema financeiro global concentra 72 vezes mais riqueza que o PIB global4.
Por isso, minha organização, a Gestos, e as organizações que represento aqui, hoje LACCASO, e a Associação Brasileira de ONGs, Abong - propõem a implementação de taxas sobre as transações financeiras globais, tanto como medida regulatória quanto como gerador sistêmico de receitas a serem aplicadas em desenvolvimento sustentável. A CIA estima que o mercado de Derivativos concentra onze vezes o valor do PIB Global. Assim, por exemplo, uma taxa sobre transação financeira de apenas 0,05%, aplicada somente ao mercado global de Derivativos, poderia levantar recursos de aproximadamente 68 bilhões de dólares anuais.
Igualmente importante, esses recursos adicionais poderiam fortalecer sistemicamente a capacidade de implementação de instituições multilaterais tais como a ONU, em direção a objetivos e princípios de desenvolvimento sustentável.
Então, há muito, muito dinheiro lá fora e nós sabemos onde ele está. O que vocês estão esperando para demandá-lo?
QUARTA - E MAIS IMPORTANTE - LIÇÃO: SOMENTE HAVERÁ DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL SE OS DIREITOS HUMANOS FOREM UMA REALIDADE PARA TODOS.
E essa é a razão pela qual estou diante das senhoras e senhores, hoje, para informar que a Sociedade Civil levantou uma Linha Vermelha5 nesta negociação. Este document que lhes trago, reforça nosso compromisso com as Nações Unidas e expressa nossa preocupação com o fato de que os atuais debates pós-2015 estão muito centrados no crescimento-econômico-apenas, sem fortalecer os compromissos com um novo ciclo, no qual prevaleçam a justiça e os direitos humanos.
A despeito da afirmação do Secretário-Geral da ONU de que ninguém será deixado para trás, testemunhamos o crescimento de forças conservadoras na ONU. Direitos sexuais, identidade de gênero, aborto seguro, o reconhecimento de direitos das pessoas que usam drogas, gays, lésbicas, transgêneros e trabalhadores do sexo estão entre os temas que continuam pendentes aqui ONU.
Isso significa que estas pessoas, que historicamente têm sido deixadas para trás, continuarão a sê-lo, porque a esta altura da história da ONU, a despeito de todos os acordos e compromissos afirmando suas interligações, ainda há uma perigosa desconexão entre desenvolvimento e direitos humanos.
Portanto, a minha tarefa e responsabilidade de hoje entregar em mãos às suas excelências, esta carta intitulada Ações que precisamos para o futuro que queremos, assinada, nas duas últimas semanas, por quase 750 redes e organizações da sociedade civil de todo o mundo.
Nossa Linha Vermelha é clara: O futuro que precisamos requer ações corajosas agora, para moldar o futuro que queremos.
As organizações da sociedade civil de todo o mundo estão acompanhando o debate do pós 2015. E nós esperamos ser ouvidos. Obrigada!
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Confira aqui vídeo da apresentação: http://webtv.un.org/watch/alessandra-cabral-dos-santos-nilo-gestos-on-the-role-of-partnerships-in-the-implementation-of-the-post-2015-development-agenda/3449629729001/
A campanha pelas TTF demanda uma taxa sobre as transações financeiras internacionais mercados de câmbio, ações e derivativos. Com alíquotas menores que 1%, elas incidirão sobre um volume astronômico de recursos pois esses mercados giram trilhões de dólares por dia.
http://www.outraspalavras.net