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Um xeque contra a cidadania

Eles não querem povo organizado influindo no governo do país. Parlamentares atacam Política Nacional de Participação Social em nome de democracia apenas representativa. Por Fabio de Sá e Silva*, na Carta Maior

Quem trabalha ou estuda gestão pública no Brasil deve estar acostumado a ser procurado por estrangeiros que tentam entender melhor as importantes inovações levadas a efeito no país, especialmente a partir da Constituição de 1988, no sentido de criar meios e oportunidades para permitir a participação direta dos cidadãos nos processos de política pública.

Dos pioneiros Orçamentos Participativos de Porto Alegre, que hoje são realidade em muitas cidades da Europa e até mesmo nos Estados Unidos a partir do exemplo de Vallejo, na Califórnia às consultas públicas que subsidiaram iniciativas legislativas de grande envergadura, como o Marco Civil da Internet, essas interfaces socioestatais se tornaram parte da gramática política contemporânea e, para usar uma expressão que está na ordem do dia, um dos principais legados do Brasil para a teoria e a práxis democrática do limiar do século XXI.

Curiosamente, aliás, isso sequer tem se dado exclusivamente no contexto de governos ou de projetos de esquerda. Ao contrário, instituições como o Banco Mundial também cumpriram um papel central na difusão da ideia de participação, no que enxergavam ser um elemento para a boa governança dos países que, ao longo dos anos 1990, experimentavam processos de abertura econômica, integração à economia global e adesão ao Estado de Direito.

Foi completamente inesperado, portanto, o Editorial com o qual o Estadão saudou a edição, pela Presidenta Dilma, do Decreto n. 8.243/2014, que Institui a Política Nacional de Participação Social PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social SNPS, e dá outras providências.

No texto, o jornal acusa o Decreto criar estruturas para dar acesso privilegiado a certos atores (os movimentos sociais, diz a publicação, assim, entre aspas) em todos os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta.

Essa medida, conclui o Editor, traduz uma visão de que o Poder Legislativo é dispensável, pois ignora que a participação social, numa democracia representativa, se dá através dos seus representantes no Congresso, legitimamente eleitos, buscando por decreto, instituir outra fonte de poder.

O que era, porém, apenas uma cobertura desinformada no início por obra do Estadão, mas que depois se propagou por veículos como a Veja e a Folha , acabou dando combustível para disputas políticas de mais grosso calibre. Pouco depois da edição do Decreto, os Deputados Mendonça Filho e Ronaldo Caiado, do DEM, submeteram Projeto de Decreto Legislativo (PDC n. 1.491/2014) buscando sustar a medida tomada por Dilma. Para justificar a iniciativa, disseram os Deputados proponentes que enxergam como absolutamente clara a intenção da Presidente da República: implodir o regime de democracia representativa (...) mediante a transferência do debate institucional para segmentos eventualmente cooptados pelo próprio Governo.

No final da terça-feira, 10, o conflito escalou e integrantes da própria base passaram a ameaçar Dilma a revogar o Decreto n. 8.243/2014, sob pena de que o PDC de Mendonça Filho e Caiado seja colocado em votação e, garantem os autores das ameaças, derrubado pelo Congresso. Se até amanhã o governo não atender, nós vamos votar a favor da derrubada, disse o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).

Há motivos, porém, para tamanha controvérsia?

Se houver, ao que parece, eles não se relacionam ao Decreto. Afinal, a leitura atenta desse texto indica que apenas e tão somente:

Art. 5º Os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta deverão, respeitadas as especificidades de cada caso, considerar as instâncias e os mecanismos de participação social, previstos neste Decreto, para a formulação, a execução, o monitoramento e a avaliação de seus programas e políticas públicas.

Ou seja:

Art. 6º (...): I conselho de políticas públicas; II comissão de políticas públicas; III conferência nacional; IV ouvidoria pública federal; V mesa de diálogo; VI fórum interconselhos; VII audiência pública; VIII- consulta pública; e IX ambiente virtual de participação social.

Fica evidente, portanto, que o texto do Decreto não estabelece a obrigatoriedade de criação de quaisquer interfaces em quaisquer órgãos ou entidades: apenas prevê que estes devem considerá-las, conforme as especificidades de cada caso.

E nem poderia ser de outro jeito, pois cada política pública pode comportar diferentes formas de interface com a sociedade, as quais devem ser escolhidos e instituídos caso a caso. O Decreto, porém, se limita a relacionar as principais interfaces já existentes e a estimular os gestores a incorporá-las em suas práticas cotidianas.

Além disso, o texto circunscreve bem o âmbito de incidência dessas interfaces: os programas e políticas a cargo dos órgãos e entidades da administração. Programas e políticas que estão sujeitos, como sempre estiveram, a diversos controles do parlamento: desde o do TCU, o qual tem por objeto conformidade dos atos dos gestores com leis ou regulamentos, até o controle mais propriamente político, o qual pode ser exercido pela convocação de responsáveis para dar esclarecimentos ou mesmo pelo restrição de recursos, quando da apreciação da lei orçamentária.

O que o Decreto faz, por outro lado, é criar uma série de balizas para a operação das ditas interfaces, estabelecendo parâmetros iniciais para orientar-lhes o funcionamento, bem como atribuindo à Secretaria-Geral da Presidência a competência para acompanhá-las, orientá-las e avaliá-las frente ao conjunto das experiências de participação em curso na máquina pública.

Mas isso também tem boas razões de ser. Afinal, o Decreto ganha forma em um quadro no qual, mesmo entre os entusiastas das interfaces socioestatais, subsistem motivos para acreditar que elas sempre podem prometer mais do que consegue entregar.

Da parte do governo, não é incomum que elas venham a servir de veículos para a mera de legitimação de opções prévias dos gestores e não como mecanismo de escuta e construção de arranjos ou soluções inovadores. Da parte da sociedade civil, não é incomum que elas venham a ser capturadas por grupos específicos que, apenas por serem mais organizados, conseguem se sobressair frente aos demais que compõem a totalidade desse segmento.

É digno de nota, assim, que o Decreto preveja requisitos como a garantia da diversidade (art. 10, III) e a rotatividade dos representantes da sociedade civil (art. 10, V), para os Conselhos, ou a sistematização das contribuições recebidas (arts. 16, III e 17, III), a publicidade, com ampla divulgação de seus resultados e a disponibilização do conteúdo dos debates (arts. 16, IV e 17, IV) e o compromisso de resposta às propostas recebidas (arts. 16, V e 17, V) para as audiências e consultas públicas. Tais previsões mostram que há, na verdade, uma preocupação com que não haja cooptação ao contrário do que, maldosamente, supõem Mendonça Filho e Caiado.

O Decreto, em suma, apenas cria meios para que a administração pública federal possa gerir melhor as interfaces entre o Estado e a sociedade civil nas políticas públicas. É um ato que disciplina e organiza relações já em curso, sem obrigar nenhum órgão à adoção de nenhum mecanismo de participação e, muito menos, desvalorizar função representativa do Congresso Nacional. Ao ameaçar derrubá-lo, porém, não é apenas um texto que os congressistas colocam em xeque: é a cidadania brasileira, cujo acúmulo e maturidade, como se vê, estão muito à frente do que alguns seus intérpretes ou mandatários parecem capazes de enxergar.

* Fábio de Sá e Silva é PhD em Direito, Política e Sociedade pela Northeastern University e professor substituto de Teoria Geral do Direito na Universidade de Brasília (UnB).



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Bolívia sedia cúpula do G77 mais China

Embaixador boliviano revela que grupo, na verdade de 133 países, vai discutir pobreza e imprescindível democratização" das instituições financeiras. Agenda futura não é a esmola", diz

Neste fim de semana (14-15.06), Santa Cruz de la Sierra será sede de uma reunião dos chamados 77 que, somados à China, já são 133 países. Mais de dois terços da ONU. A Bolívia preside o G-77. O representante de Evo Morales na ONU explicou em uma reportagem porque a agenda futura não é a esmola. Também prognosticou que Evo será reeleito em outubro.

Quando Evo Morales venceu as eleições de 2005 e assumiu pela primeira vez, em 2006, Sacha Llorenti foi um dos seus articuladores com os movimentos sociais. Cumpriu um papel de construção política que foi decisivo em El Alto, o centro urbano de crescimento explosivo que está entre a grande panela de La Paz e o altiplano com seu Titicaca e seus camponeses, que sabem conservar cada batata que colhem.

Llorenti recebeu o Página/12 e a Clacso TV em frente à ONU, no escritório da embaixadora argentina Marita Perceval. A entrevista pode ser vista com um click neste link: http://bit.ly/1kHSup7. Llorenti e Perceval reproduzem a relação sem criados que ambos os países mantêm desde que Evo está na presidência. A Argentina e a Bolívia conseguiram resolver sem conflitos, em 2006, a atualização do preço do gás que o primeiro compra do segundo e depois a Bolívia soube superar, com a ajuda da Argentina e do Brasil, uma tentativa de desequilíbrio interno da ultra direita de Santa Cruz de la Sierra.

A Bolívia aceitou o desafio de organizar a reunião do G-77 por ocasião do aniversário do Grupo, que completa 50 anos disse Llorenti. Foi fundado em 1964 em Genebra durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e o Comércio. E após 50 anos, achamos necessário fazer uma nova reunião. A última foi há quase 10 anos, no Catar.

A entrevista é de Martín Granovsky e publicada no jornal argentino Página/12, 08-06-2014. A tradução é de André Langer. Eis a entrevista.

Que novos temas apareceram na última década?
O Grupo está tratando em profundidade o desenvolvimento. Está em sintonia com a agenda das Nações Unidas, que deve tratar de temas como a agenda do desenvolvimento pós-2015...

Quando a ONU avalia se as metas sobre a redução da pobreza foram alcançadas.
E veja como continua esse debate sobre o desenvolvimento sustentável e o financiamento para o desenvolvimento. São alguns dos eixos centrais da nova proposta multilateral para encarar questões ainda não solucionadas, como a erradicação da pobreza, da fome e da desigualdade. Por isso, na reunião que começa no dia 14 próximo quer colocar-se um cenário de discussão muito ambicioso. Tem a ver, evidentemente, com esse objetivo de acabar com a pobreza, mas, além disso, quer tratar temas como o das instituições financeiras. Discutir seu estado e sua falta de democracia. Analisar as relações necessárias para construir uma nova globalização baseada não nas leis do mercado, mas fundamentalmente na solidariedade e na integração. Acrescento outros pontos: cooperação, comércio, povos indígenas, situação atual no marco da crise financeira que o mundo vive. Os temas essenciais do grupo estão vinculados justamente com isso, comércio, desenvolvimento e cooperação.

Qual era a identidade do G-77 há 50 anos e qual é a sua identidade hoje? O que os une hoje?
A pergunta é muito interessante, porque há 50 anos um dos fundadores do G-77 foi justamente o Che Guevara, que representou Cuba na Conferência de Genebra. Naquele 1964, 77 países se reúnem para iniciar tarefas de coordenação e encarar conjuntamente as negociações com os países desenvolvidos. Unia-os nesse momento um passado comum, porque muitos desses 77 países vinham do colonialismo ou estavam saindo dessa etapa. Tinham pela frente o desafio do desenvolvimento. Unia-os também o tipo de relação com os países desenvolvidos, porque muitos eram dependentes destes países chamados de Primeiro Mundo.

Cinquenta anos depois, praticamente as mesmas coisas nos unem: um passado comum e um presente comum. A diferença é que o grupo praticamente duplicou de número. Em vez dos 77 daquela época, agora somos 133 países, inclusive a China. Reunimo-nos não apenas para coordenar esforços, mas para ter uma só voz na hora de negociar com os países desenvolvidos. Em uma reunião que aconteceu há poucos dias com o secretário-geral, Ban Ki-moon me disse: Sem o G-77 não se pode fazer nada nas Nações Unidas. E tem razão.

Dois terços do total de membros da ONU.
É uma força muito importante. Quando nos colocamos de acordo não há quem nos pare nas Nações Unidas. É uma demonstração de que as relações de poder no mundo podem ser modificadas. Podemos ter a esperança de transformar estas relações no marco da fraternidade, da integridade e da unidade dos povos.

Em termos de discussão financeira, o que pode sair da reunião na Bolívia? Que novo critério, que novidade ou que linha de trabalho comum?
Não posso adiantar-me à declaração, porque a estamos discutindo aqui em Nova York. No entanto, posso assinalar que com certeza vai se tratar do tema da reforma das instituições de Bretton Woods, das instituições financeiras, no sentido de sua imprescindível democratização. Vamos tocar no tema dos fundos abutres, claro. Sem dúvida, o ponto estará na declaração final. Além de discutirmos como a crise financeira golpeia os países em desenvolvimento. Reitero que não posso adiantar-me às conclusões. Será no dia 15 de junho que saberemos qual é a voz dos nossos chefes e chefas de Estado e de governo em Santa Cruz. A cúpula será histórica e, junto com os temas que assinalei, tratará da mudança climática.

Que características tem hoje o debate sobre a mudança climática? Por que foi mudando e inclusive assuntos como a mineração e outros tipos de extrativismo foram incluídos na agenda de muitas sociedades e movimentos.
O debate está em um momento muito importante, porque em 2015 haverá, em Paris, uma cúpula dos chefes de Estado e de governo para fixar um novo marco normativo internacional vinculante depois da Cúpula de Kyoto. Neste mesmo ano, realizaremos uma conferência sobre pequenos Estados insulares, que é muito importante para o tema da mudança climática. Será em Samoa. E em Lima, em setembro, outra cúpula discutirá as responsabilidades que os países desenvolvidos têm na emissão de gases de efeito estufa e qual é o compromisso para reduzi-la.

Nosso critério de análise baseia-se no princípio das responsabilidades comuns e ao mesmo tempo diferenciá-las entre os países em desenvolvimento e os países emergentes. Como se vê, a agenda que vem neste tema é muito forte e será forte a presença do debate em Santa Cruz de la Sierra. Devemos recordar, isso sim, que 133 países de todas as latitudes do mundo representam uma enorme diversidade de opiniões, de posições ideológicas e políticas, de níveis de desenvolvimento... Inclusive uma grande diversidade geográfica e cultural.

Por que destaca esses aspectos?
Porque às vezes não é tão simples colocar-nos de acordo, apesar de termos muitas coisas em comum.

Sobre a pobreza, um embaixador da ONU me disse que o estado de emergência não se esgotou, mas que a ONU fará um balanço de quais sãos as emergências que ficam pendentes e as articulará com novos objetivos. O que não foi resolvido? A pobreza, a pobreza extrema ou a fome?
Eu ouvi vários colegas aqui, sobretudo de países desenvolvidos, falar que um objetivo tem que ser a erradicação da extrema pobreza. A este respeito, o G-77 há muito tempo tem uma posição muito clara: para nós, o objetivo é a erradicação da pobreza, não a da extrema pobreza. Caso contrário, andam por aí algumas estatísticas que podem muito bem ser acomodadas a determinados interesses. Então, o tema central é a erradicação da pobreza, e junto com a pobreza estão, evidentemente, a erradicação da fome, a atenção a doenças curáveis, a possibilidade de que todo o mundo tenha acesso a água, ao saneamento, aos serviços básicos, à comunicação, à energia sustentável.

Esses são requisitos fundamentais quando falamos de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, temos que falar das responsabilidades dos países desenvolvidos. Há pouco, em um encontro sobre este tema, uma pessoa fez uma exposição brilhante sobre a questão do saneamento. Explicou como as principais capitais europeias construíram seus sistemas de saneamento e de esgoto durante os séculos XVIII e XIX. Como se financiou esse desenvolvimento? Foi financiado pelas colônias. Pelas que eram na época as suas colônias. Ou seja, os nossos países já financiaram o desenvolvimento.

O desenvolvimento dos outros.
Exatamente. Já financiamos o desenvolvimento dos outros. E agora nos referimos às responsabilidades dos países desenvolvidos para contribuir para o desenvolvimento, sobretudo, dos países mais vulneráveis. Não estamos falando de caridade, mas de corresponsabilidade. Existem compromissos chamados Ajuda Oficial para o Desenvolvimento. Essa é a terminologia internacional. Esses compromissos até agora não foram cumpridos, fundamentalmente na África, Ásia e em geral em todos os países em desenvolvimento. Falar de erradicação da pobreza significa colocar uma luta integral, holística, contra estes males que, evidentemente, estão vinculados a outros males.

É um tom de justiça reparatória.
Alguns países no Caribe já propuseram iniciar processos de reparação pela escravidão, por exemplo. E há compromissos assinados pelos países desenvolvidos que hoje estão sendo descumpridos. Digo-o da nossa perspectiva nacional, a da Bolívia, porque como representante na ONU do Estado que preside o G-77 repito que existe uma grande diversidade de opiniões. Haver um acordo entre 133 pessoas é complicado. Entre países, mais ainda. Mas existe, da nossa perspectiva, uma responsabilidade dos países desenvolvidos para cumprir com estes compromissos que têm a ver com um processo de reparação e de responsabilidade histórica.

Volto ao tema da pobreza. Como a Bolívia mede a pobreza? Trata-se apenas de uma questão de rendas? Para o governo de Evo Morales, quando alguém deixa de ser pobre?
Na Bolívia, temos uma visão integral da luta contra a pobreza. Não conta somente a renda. Melhoramos a renda substancialmente. Quase duplicamos o salário mínimo vital em nosso país. Melhoramos as condições de vida de todos os setores. De todos, absolutamente. De acordo com a ONU, até 2009, 10% dos bolivianos e das bolivianas haviam pulado da pobreza para rendas médias. A renda per capita também subiu enormemente. As reservas internacionais passaram de 1,7 bilhão para 15 bilhões de dólares em poucos anos.

Antes, a história dos ministros de Economia e Finanças do nosso país consistia em ir pedir esmolas aos organismos internacionais para pagar as gratificações dos professores e dos médicos. Agora temos oito anos consecutivos de superávit fiscal, o que nos permite não apenas economizar, mas investir. Os investimentos públicos deram um salto qualitativo de 400 milhões de dólares ao ano, em 2005, para mais de cinco bilhões neste último ano. Também aumentaram enormemente os ingressos da nossa renda petroleira.

Mas, para nós, a luta contra a pobreza é um tema integral. Tem a ver com as condições de renda, mas também com os níveis de educação e de saúde. O presidente Evo incorporou planos de assistência especializada para garantir que as crianças permaneçam na escola. Há um bônus, chamado Juancito Pinto, pelo qual se dá a cada criança uma pequena quantia em dinheiro para garantir que permaneça na escola. Isso permitiu reduzir a evasão escolar de 5% para 1% em poucos anos. Através do Bônus Juana Pinto, que é uma patriota latino-americana compartilhada de modo entranhável pela Argentina e a Bolívia, damos assistência às gestantes. Além de dar a cada criança uma pequena quantia de dinheiro, damos as condições para que seja atendida por médicos de maneira regular. Isso reduz a mortalidade infantil e a mortalidade materna.

Nas comunicações, graças ao satélite Tupac Katari temos acesso à telefonia e à internet em todo o país. Sobretudo na área rural, que era a mais esquecida. Na energia, a mesma coisa. Ou seja, a erradicação da pobreza está vinculada à renda, à educação, à saúde, às comunicações, ao saneamento básico, ao acesso à água potável. À soma da felicidade, como dizia Simón Bolívar. E para consegui-lo requer-se uma base material. Nesse sentido, a Bolívia está vivendo uma profunda, profunda revolução econômica, social, política e cultural.

Quando começou o primeiro governo de Evo, em 2006, um dos objetivos era não apenas exportar gás, mas industrializá-lo. O que aconteceu em oito anos?
No gás está, por assim dizer, o salário do Estado. O governo utiliza o gás fundamentalmente para diversificar sua economia, para não ser dependente de um único produto, e ao mesmo tempo para financiar os planos sociais e de infraestrutura que são imprescindíveis.

Usa as divisas?
A exportação do gás financia entre outras coisas a industrialização. Está em fase final a construção uma planta de ureia e uma planta separadora de líquidos para dar valor agregado ao gás. E o presidente já anunciou um investimento na ordem de 1,8 bilhão de dólares para uma petroquímica, que será instalada no Departamento de Tarija, na fronteira com a Argentina.

Enquanto investimos na geração de energia. Vamos inaugurar logo uma termoelétrica, também em Tarija, e estão avançando os projetos hidroelétricos em diferentes lugares da Bolívia. A isto se deve acrescentar, evidentemente, um forte, forte investimento, como nunca antes o Estado realizou, em uma infraestrutura de estradas que nos permite ligar um país antes desarticulado, desvertebrado. É uma nova visão de desenvolvimento.

Antes, e dizia-o o presidente Evo há alguns dias, o pouco dinheiro que a Bolívia tinha era investido em um único Departamento. Agora se procura um equilíbrio para que os nove Departamentos se convertam em nove pólos de desenvolvimento. Mas, além da industrialização do gás, estamos trabalhando na industrialização dos nossos recursos minerais. Em siderúrgicas, em fábricas de cimento para diferentes zonas do ocidente do país. A diversificação faz com que os investimentos não fiquem limitados à industrialização de recursos naturais não renováveis, mas também para dar um forte incentivo especialmente à agricultura.

No plano dos recursos não renováveis, qual é o equilíbrio para um país que exporta, entre outras coisas, matérias-primas energéticas?
O primeiro objetivo é abastecer o mercado interno. Multiplicaram-se, por exemplo, as conexões de gás domiciliar na Bolívia, sobretudo na cidade de El Alto, que você conhece muito bem. É uma cidade revolucionária, por não encontrar outro termo mais preciso. Não é a único berço do atual processo de transformação, mas é um dos principais. El Alto está se enchendo de conexões a gás domiciliar e isso muda a vida das pessoas, porque reduz os custos de energia e permite economizar tempo de vida. Depois do abastecimento interno vem a exportação. Inicialmente, de matéria-prima. E, ao mesmo tempo, o valor agregado mediante a industrialização.

Outro fator chave é a nacionalização dos recursos naturais, a recuperação dos recursos naturais. É importante destacar uma vez mais que antes da chegada do presidente Evo Morales, antes da nacionalização dos recursos, a maioria do dinheiro que agora é utilizado para revolucionar a Bolívia ia para as multinacionais e afora que servia para financiar outros países. Esse dinheiro agora é utilizado para os empreendimentos nacionais, mas, além disso, o Estado recuperou o controle até sobre a negociação dos preços dos nossos hidrocarbonetos. Antes, a empresa X, estrangeira, na Bolívia negociava com a empresa Y, estrangeira, os preços, os volumes... Tudo.

Agora isso foi recuperado em poder do Estado e implica um exercício da soberania e a possibilidade de aplicar planos que beneficiam, em primeiro lugar, os bolivianos, e, depois, que permitem tirar o benefício máximo possível de um recurso não renovável. Essa tem que ser a base da diversificação da nossa economia.

A Bolívia terá eleições presidenciais. Como o Governo as enfrenta?
Com muito trabalho e com muito otimismo. Recentemente, uma pesquisa perguntou aos bolivianos: Quem você acredita que é, ao longo da história, o melhor presidente da Bolívia? Evo Morales ficou em primeiro lugar. Olha que um presidente no exercício do seu mandato seja considerado o melhor presidente da história... Isso é, creio, algo inédito. Deve-se ao fato de que as bolivianas e os bolivianos estão sentindo em sua vida cotidiana a revolução e o processo de mudança liderado por Evo. E as pesquisas mais recentes dão um apoio que está muito perto dos 70% de aprovação do seu mandato. Evo encarnou este processo revolucionário.

Eu digo sinceramente: em um exercício de honestidade intelectual e político Evo Morales é sem dúvida o personagem histórico mais importante dos últimos 500 anos na Bolívia. Conseguiu a libertação política e a libertação social, mas também a libertação econômica e cultural que nos permitem falar de uma verdadeira revolução. Vemos com otimismo as eleições de outubro próximo. Estamos convencidos de que o povo boliviano ratificará o presidente, que é o líder natural deste processo, e as grandes mudanças da revolução. As pessoas estão vivendo essa mudança. Sabem com muita esperança que agora os nossos filhos e nossos netos terão um país melhor. Sem dúvida.



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iek: A utopia de Piketty

Na palestra Towards a Materialist Theory of Subjectivity, na Universidade Birkbeck de Londres, filósofo e crítico esloveno fala sobre o livro de Piketty. Por Slavoj iek

Le Capital au XXIe siècle é um livro essencialmente utópico. Por que? Por conta de sua modéstia. Thomas Piketty percebe a tendência inerente do capitalismo à desigualdade social, de tal forma que a ameaça à democracia parte do interior da própria dinâmica capitalista. Até aí tudo bem, estamos de acordo. Ele vê o único ponto luminoso da história do capitalismo entre as décadas de 30 e de 60, quando essa tendência à desigualdade era controlada, com um Estado mais forte, Welfare State etc. Mas reconhece ainda que as condições para isso foram e eis a trágica lição do livro Holocausto, Segunda Guerra Mundial e crise. É como se estivesse implicitamente sugerindo que nossa única solução viria com uma nova guerra mundial, ou algo assim!

Mas por que digo que ele é utópico? De certa forma ele não está errado. A tentativa de superação do capitalismo no século XX de fato não funcionou. O problema é que ele então acaba implicitamente generalizando isso. Piketty aceita, como um bom keynesiano, que o capitalismo é, ao fim e ao cabo, o único jogo na praça; que todas as alternativas a ele acabaram em fiasco, e que portanto temos de preservá-lo. Ele é quase que uma versão social-democrata do Peter Mandelson, o príncipe escuro de Tony Blair que disse que na economia somos todos thatcheritas, e que tudo que podemos fazer é intervir no nível da distribuição, um pouco mais para a saúde, para a educação e assim por diante.

Thomas Piketty é utópico porque ele simplesmente propõe que o modo de produção permaneça o mesmo: vamos só mudar a distribuição implementando e não há nada de muito original nessa ideia impostos radicalmente mais altos.

Aqui começam os problemas. Veja, não digo que não devemos fazer isso, só insisto que fazer apenas isso não é possível. Essa é a utopia dele: que basicamente podemos ter o capitalismo de hoje, que como maquinaria permaneceria basicamente inalterado: opa opa, quando você lucra bilhões, aqui estou eu, imposto, me dê 80% de sua fatura. Não acho que isso seja factível. Imagine um governo fazendo isso em nível mundial. E Piketty está ciente que isso deve ser feito globalmente, porque se fizer em um só país, o capital se desloca para outro lugar e assim por diante. Meu ponto é que se você conseguir imaginar uma organização mundial em que a medida proposta por Piketty pode efetivamente ser realizada, então os problemas já estão resolvidos. Então você já tem uma reorganização política total, você já tem um poder global que pode efetivamente controlar o capital. Ou seja: nós já vencemos!

Então acho que nesse sentido Piketty trapaça nas cartas: o verdadeiro problema é o de criar as condições para que sua medida aparentemente modesta seja atualizada. E é por isso que, volto a dizer, não sou contra ele, ótimo, vamos cobrar 80% de imposto dos capitalistas. O que estou dizendo é que se você fosse fazer isso, logo se daria conta de que isso levaria a mudanças subsequentes. Digo que é uma verdadeira utopia e isso é o que Hegel queria dizer com pensamento abstrato: imaginar que você pode tomar uma medida apenas e nada mais muda. É claro que seria ótimo ter o capitalismo de hoje, com todas suas dinâmicas, e só mudar ele no nível da redistribuição mas isso é que é utópico. Não se pode fazer isso pois uma mudança na redistribuição afetaria o modo de produção, e consequentemente a própria economia capitalista. Às vezes a utopia não é anti-pragmática. Às vezes ser falsamente modesto, ser um realista, é a maior utopia.

É como e perdoem-me o paralelo esdrúxulo um certo simpatizante nazista que disse basicamente: Ok, Hitler está certo, a comunidade orgânica e tal, mas porque ele não se livra logo desse asqueroso antissemitismo. E houve uma forte tendência, inclusive dentre os judeus e isso é realmente uma história curiosa , houve uma minoria de judeus conservadores que inclusive se dirigiam a Hitler dessa maneira: Pôxa, concordamos com você, unidade nacional e tal, mas por que você nos odeia tanto, queremos estar com você! Isso é pensamento utópico. E é aqui que entra o velho conceito marxista de totalidade. Tudo muda se você abordar os fenômenos com a perspectiva da totalidade.

A tradução é de Artur Renzo, para o Blog da Boitempo.



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A campanha pelas TTF demanda uma taxa sobre as transações financeiras internacionais mercados de câmbio, ações e derivativos. Com alíquotas menores que 1%, elas incidirão sobre um volume astronômico de recursos pois esses mercados giram trilhões de dólares por dia.

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