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Londres vai às ruas contra austeridade

Milhares marcharam com recado ao governo: não foram os mais pobres que causaram a crise, não são eles que devem ser punidos. Por Andrea Germanos, do Common Dreams | Tradução de Roberto Brilhante, na Carta Maior

Dezenas de milhares de pessoas se reuniram em Londres no último sábado (21.06) sob a bandeira da Assembleia Popular Contra a Austeridade, demandando uma alternativa às políticas que eles declaram terem beneficiado os ricos, arriscando empobrecer milhões e ignorando a verdadeira raiz da crise econômica.
 
A Assembleia foi formada em 2013 para mobilizar a população e oferecer uma plataforma de visões anti-austeridade que seus membros declaram estar de fora do Parlamento. O ativista anti-guerra Tony Benn disse em entrevista ao Democracy Now!, “você deve avaliar um país segundo a contemplação de suas necessidades, e não apenas se as pessoas estão lucrando.”  
 
A marcha de sábado começou em frente à sede da BBC, se manifestando contra o que os organizadores veem como “a falta de cobertura das ações anti-austeridade, tanto regional quanto nacionalmente.” A marcha então continuou até a Praça do Parlamento.

À frente da marcha, Lindsey German, do Parem a Coalizão de Guerra, descreveu porque ela apoia a Assembleia Popular, “um mundo melhor é possível”:

“(...) um governo perverso que piorou a vida das pessoas, é contrário àqueles que possuem benefícios, está privatizando o NHS (Sistema Nacional de Saúde) e tem gastado com armamento e guerras, não pode clamar que está representando a maioria.

“Nós devemos tomar as ruas para nos opormos a isso e exigir que todos neste país extremamente rico tenham o direito a um salário decente, à moradia, à educação gratuita e à saúde. Um mundo melhor é possível.”

Entre aqueles que discursavam no evento estava o comediante Russel Brand, que disse à multidão, “o poder não está lá (na Casa dos Comuns), ele está aqui, conosco. A revolução de que necessitamos não é feita de ideias radicais, mas de ideias que nós já temos - será uma revolução pacífica e cheia de alegria.”

A deputada Caroline Lucas, do Partido Verde, também falou com os manifestantes, “nós estamos aqui mandando uma mensagem importante ao governo, a de que não foram os pobres que causaram a crise econômica. Não foram as pessoas com seguro-desemprego que derrubaram os bancos. Não são as pessoas com deficiência que estão gastando bilhões especulando em mercados de risco. Não são os imigrantes que estão roubando bilhões em bônus. Então é por isso que aqui estamos, para dizer que parem de punir os mais pobres, parem com essa austeridade contraproducente.”

O deputado Jeremy Corbyn declarou durante a manifestação que “tem havido uma campanha na mídia que basicamente passa a seguinte ideia: se você é pobre, então a culpa é sua. Se você está requisitando benefícios, você não deveria. Se você está usando o NHS excessivamente, então pare… a culpa é toda sua que estejamos passando por uma crise econômica no presente.”

“Há um jogo de culpabilidade ocorrendo que está desenhado para tirar toda a atenção dos sonegadores, dos que especulam sobre as propriedades, dos grandes banqueiros, todos eles que são a causa real do problema, a causa real da crise de moradia.”

*Imagens: Cadi Cliff / Flickr



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“Democracia passa necessariamente pela ética na política"

Adoção de formas de democracia direta e participativa poderia reduzir os defeitos da representação, sustenta socióloga Maria Victoria Benevides. Por Graziela Wolfart, no IHU

Apoiadora da proposta de extinção do Senado e filiada ao Partido dos Trabalhadores, a professora e cientista política Maria Victoria de Mesquita Benevides defende que a construção da democracia passa necessariamente pela ética na política. “Os fins não justificam os meios. Há décadas defendo a reforma política, cada vez mais relevante. Acredito que a adoção de formas de democracia direta e participativa poderiam reduzir os defeitos da representação, assim como modificações no sistema eleitoral poderiam aumentar a representatividade democrática. Defendo, ainda, o financiamento público das campanhas eleitorais. Tudo isso com regras claras e sob o controle da sociedade”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, ela lamenta que “infelizmente, o povo não confia nos partidos e menos ainda na política. Isso é péssimo, porque mina a crença na atividade política como possibilidade de transformação e desenvolve apatia em relação ao bem público, assim como provoca, por exclusão, saídas individuais e não democráticas”.

Socióloga com especialização no campo da Ciência Política e do Direito e em temas da História Política brasileira e da Educação, Maria Victoria Benevides realizou seus estudos universitários na PUC-Rio, nos Estados Unidos e na França. Tem mestrado, doutorado e livre-docência pela Universidade de São Paulo (USP). É professora aposentada da USP e autora, entre outros, de “Desafios para a democracia no Brasil” (Rio de Janeiro: CEDAC/Oikos, 2005) e “A Comissão de Justiça e Paz de São Paulo: Da ditadura à democratização” (São Paulo: Lettera.doc, 2009).
Confira a entrevista.

Existe ainda no Brasil a política de oligarquias e do patrimonialismo?

Sim. Ainda predomina na “cultura política” brasileira o poder oligárquico e a defesa de privilégios que perpetuam uma forma “naturalizada” de patrimonialismo. Portanto, não temos República nem democracia consolidadas. Mas ainda teremos.

Quais as diferenças entre alianças políticas e alianças eleitorais?

As alianças políticas expressam (ou deveriam) afinidades programáticas, doutrinárias ou, quiçá, ideológicas. As eleitorais são apenas coligações de momento, visando, como diz o nome, a maximização de votos numa determinada eleição. A partilha do poder deveria valer só para as alianças políticas.

Quais os partidos políticos no Brasil, hoje, poderiam realmente fazer aliança política levando em conta sua trajetória ideológica?

Hoje é uma resposta difícil, porque a trajetória de alguns partidos mudou muito. Já tivemos alianças políticas que dividiam o espectro esquerda/direita e os centros. Hoje, esse quadro não tem mais nitidez.

Como a senhora avalia que o PT tem se posicionado em relação às alianças que vem estabelecendo desde o primeiro mandato do governo Lula?

Continuo filiada ao partido (em São Paulo, apoio a candidatura de Fernando Haddad) e acredito que o PT possa sair da crise, que se arrasta. Mas nunca concordei com o pragmatismo exagerado de certas alianças, seja para cortejar empresários, usineiros e banqueiros, seja para conseguir o apoio de “inimigos” como Collor, Sarney, Maluf, Jader Barbalho et caterva.

Em que sentido o PT mais mudou em relação à sua ideologia desde sua fundação até os dias atuais? Qual a influência das alianças nesse sentido?

Desde a vitória de Lula, a mudança pragmática vem ocorrendo em nome da prudência (medo, pelo exemplo do golpe contra o Allende ), e, depois, em nome da governabilidade, pelo apoio no Congresso. Compreendo esse pragmatismo, mas creio que Lula venceu e se reelegeu com tal popularidade que poderia voltar ao programa do partido, dos movimentos sociais, da militância mais aguerrida. Faço questão de afirmar, no entanto, que a atuação do governo Lula em relação aos direitos humanos, através da Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), representa um formidável avanço democrático. Assim também a política externa.

Como a senhora se sente – como cidadã, cientista política e ex-presidente da Comissão de Ética Pública – em relação aos rumos da política representativa no Brasil hoje?

Continuo defendendo que a construção da democracia passa necessariamente pela ética na política. Os fins não justificam os meios. Há décadas defendo a reforma política, cada vez mais relevante. Acredito que a adoção de formas de democracia direta e participativa poderia reduzir os defeitos da representação, assim como modificações no sistema eleitoral poderiam aumentar a representatividade democrática. Defendo, ainda, o financiamento público das campanhas eleitorais. Tudo isso com regras claras e sob o controle da sociedade.

O que representa para a sociedade brasileira a realização do julgamento do mensalão? Algo mudará em relação à imagem da política para o povo brasileiro?

Não apostaria nessa hipótese. Infelizmente o povo não confia nos partidos e menos ainda na política. Isso é péssimo, porque mina a crença na atividade política como possibilidade de transformação e desenvolve apatia em relação ao bem público, assim como provoca, por exclusão, saídas individuais e não democráticas.

A senhora continua defendendo a extinção do Senado?

Sim. Concordo com a tese defendida pelo jurista Dalmo Dallari. Haverá, no entanto, a necessidade de rever os pisos para a eleição de deputados federais, eliminando as conhecidas distorções.

Percebe que, apesar do longo período de democracia existente no Brasil, continuamos com uma cultura política calcada no compadrio, no coronelismo e no clientelismo?

Sim. É muito difícil mudar uma cultura tão arraigada. Por isso, defendo várias formas de educação política. Nossa Escola de Governo é um microexemplo; mas já existem várias experiências de formação para a cidadania ativa, no sistema de ensino, nos sindicatos, nas ONGs, no nível local, etc. Para tanto, o acesso aos meios de comunicação e a atividade das redes sociais é fundamental. Conheço algumas experiências, com o entusiasmo de jovens, muito promissoras. Sou otimista, como dizia Gramsci: pessimista no diagnóstico, otimista na ação.



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Pikettismos: a desigualdade na mira

“Quando uma centena de pessoas são donas de mais riqueza que metade da população mundial, enquanto um bilhão passa fome, achar que o sistema está dando certo é cegueira mental. Por Ladislau Dowbor, na Carta Maior

O livro de Thomas Piketty está nos fazendo refletir, não só na esquerda, mas em todo o espectro político. Cada um, naturalmente, digere os argumentos, e em particular a arquitetura teórica do volume, à sua maneira. Achei interessante comunicar em pequenas notas as reflexões que a leitura me trouxe. Inclusive como tira-gosto para que leiam o original. Os números de páginas se referem ao original francês.

A verdade é que Thomas Piketty, com a força da juventude e uma saudável distância das polarizações ideológicas que tanto permeiam a análise econômica, abriu novas janelas, trouxe vento fresco, nos permitiu deslocar a visão. Se bem que o problema da distribuição da renda sempre estivesse presente nas discussões, a teoria econômica terminou centrando-se muito mais no PIB, na produção de bens e serviços, e muito insuficientemente na repartição e nos mecanismos que aumentam ou reduzem a desigualdade.

Esta atingiu níveis obscenos. Quando uma centena de pessoas são donas de mais riqueza do que a metade da população mundial, enquanto um bilhão de pessoas passa fome, francamente, achar que o sistema está dando certo é prova de cegueira mental avançada. Mas para muita gente, trata-se simplesmente de incompreensão, de desconhecimento dos mecanismos.

A lenta dissipação da neblina que cerca o problema da desigualdade vem sendo construída nas últimas décadas. Basicamente, enquanto a partir dos anos 1980 o capitalismo entra na fase de dominação dos intermediários financeiros sobre os processos produtivos – o rabo passa a abanar o cachorro (the tail wags the dog) é a expressão usada por americanos como Joel Kurtzmann – e com isto passa a aprofundar a desigualdade, foram se construindo, com grande atraso, as análises das implicações.

Um amplo estudo do Banco Mundial ajudou bastante ao mostrar que basicamente quem nasce pobre permanece pobre, e que quem enriquece é porque já nasceu bem. É a chamada armadilha da pobreza, a poverty trap. Esta pesquisa mostrou que a pobreza realmente existente simplesmente trava as oportunidades para dela sair. Com Amartya Sen passamos a entender a pobreza como falta de liberdade de escolher a vida que se quer levar, como privação de opções. O excelente La Hora de la Igualdad da CEPAL mostrou que a América Latina e o Caribe atingiram um grau de desigualdade que exige que centremos as nossas estratégias de desenvolvimento em torno a esta questão. Isto para mencionar algumas iniciativas básicas. O livro do Piketty não surge do nada, sistematiza um conjunto de visões que vinham sendo construídas.

E há naturalmente o acompanhamento do desastre crescente através de tantas instituições de estudos estatísticos. Hoje conhecemos o tamanho do rombo, temos dados para tudo, sabemos quem são os pobres. O The Next 4 Billion do Banco Mundial mostra que temos quase dois terços da população do planeta “sem acesso aos benefícios da globalização”, outros dados nos mostram os dois bilhões que vivem com menos de dois dólares ao dia, outros ainda se debruçam sobre os que vivem com menos de 1,25 dólar ao dia (um pouco mais de um bilhão de pessoas), temos inclusive os detalhes dos 180 milhões de crianças que passam fome, de 4 milhões de crianças que morrem anualmente por não ter acesso a uma coisa tão elementar como água limpa. O Working for the Few, da Oxfam/UK, apresenta uma visão geral da desigualdade, em particular a da riqueza (patrimônio familiar acumulado), que ultrapassa de longe a desigualdade da renda.

Os nossos dilemas não são misteriosos. Estamos administrando o planeta para uma minoria, através de um modelo de produção e consumo que acaba com os nossos recursos naturais, transformando o binômio desigualdade/meio ambiente numa autêntica catástrofe em câmara lenta. Enquanto isto, os recursos necessários para financiar as políticas de equilíbrio estão girando na ciranda dos intermediários financeiros, na mão de algumas centenas de grupos que sequer conseguem administrar com um mínimo de competência as massas de dinheiro que controlam.

O desafio, obviamente, é reorientar os recursos para financiar as políticas sociais destinadas a gerar uma economia inclusiva, e para financiar a reconversão dos processos de produção e de consumo que revertam a destruição do meio ambiente.

Falta convencer, naturalmente, o 1% que controla este universo financeiro diretamente através dos bancos e outras instituições e crescentemente de modo indireto através da apropriação dos processos políticos e das legislações. As pessoas não entendem o que é bilionário, e realmente não é um desafio que faz parte do nosso cotidiano. Mas uma forma simples de entender esta estranha criatura nos é apresentada por Susan George: um bilhão de dólares aplicados em modestos 5% ao ano numa poupança, rendem ao seu proprietário 137 mil dólares ao dia. O que ele vai fazer com este dinheiro? Por mais guloso que seja o bilionário, não há caviar que resolva. O dinheiro, portanto, é reaplicado, e a fortuna se transforma numa bola de neve, gerando os super-ricos, os que literalmente não sabem o que fazer com o seu dinheiro.

Um segundo mecanismo a ser entendido, é a diferença entre a renda e o patrimônio. A renda é anual – resultado de salário, de aluguéis, do rendimento de aplicações financeiras etc. – enquanto o patrimônio (net household wealth, patrimônio domiciliar líquido) – constitui a riqueza acumulada, sob forma de casas, contas bancárias (menos dívidas), ações e outras formas de riqueza. A verdade é que quem ganha pouco compra roupa para os filhos, paga aluguel, gasta uma grande parte da sua renda em comida e transporte, e não compra belas casas, fazendas e iates, e muito menos ainda faz aplicações financeiras de alto rendimento. O pobre gasta, o rico acumula. Sem processo redistributivo, gera-se uma dinâmica insustentável a prazo.

O livro do Piketty não é apenas muito bom, é oportuno. Pois é nesta situação explosiva de desigualdade no planeta, quando até Davos (Davos, meu Deus!) clama que a situação é insustentável, que surge uma explicitação de como se dão os principais mecanismos que geram a desigualdade, como evoluíram no longo prazo, como se apresentam no limiar do século XXI, e em particular como o problema pode ser enfrentado.

O raciocínio básico é simples e transparente: os avanços produtivos do planeta se situam na ordem de 1,5% a 2% ao ano, enquanto as aplicações financeiras dos que possuem capital acumulado aumentam numa ordem superior a 5%. Isto significa que uma parte crescente do que o planeta produz passa para a propriedade dos detentores de capital, que passam a viver da renda que este capital gera, o que justamente nos leva à fantástica concentração de riqueza nas mãos de poucos. E do lado propositivo, esperar que mecanismos econômicos resolvam o desequilíbrio crescente faz pouco sentido: precisamos criar ou expandir, segundo os casos, um imposto progressivo sobre o capital. O que inclusive seria produtivo, pois incitaria os seus detentores a buscar realizar investimentos produtivos em vez de observarem sentados o crescimento das suas aplicações financeiras.

Utópico? Os ricos pagarem impostos não é utópico, é necessário. E tributar o capital parado nas cirandas financeiras, rendendo sem produção correspondente, é particularmente interessante. Na proposta de Piketty para a Europa, seriam 0% para patrimônios inferiores a 1 milhão de euros, 1% para os que se situam entre 1 e 5 milhões, e 2% para os acima de 5 milhões. Não é trágico, não deve levar os muito ricos ao desespero, e geraria o equivalente a 2% do PIB europeu (cerca de 300 bilhões de euros), o suficiente para liquidar por exemplo o endividamento público em pouco anos, e tirar os países membros das mãos dos intermediários financeiros. (889). Seria um bom primeiro passo.

Novo? Não, não é novo, mas é apresentado no livro do Piketty de maneira muito legível (inclusive para não economistas), extremamente bem documentada, e com uma clareza na explicação passo a passo que transforma a obra numa ferramenta de trabalho de primeira ordem.

Thomas Piketty – Le capital au XXIº siècle – Paris, Seuil, 2013 (edição em inglês e em espanhol disponíveis online, em português prevista para novembro)



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