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Depois de semanas de negociações e um intenso lobby dos países do Norte, vinte membros do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (CDH), representando 3,8 bilhões de pessoas, votaram dia 26 de junho, em Genebra, em favor de uma resolução histórica. Trata-se da criação de um grupo de trabalho intergovernamental para discutir a imposição de obrigações com força jurídica sobre as transnacionais e os direitos humanos.
Apesar da forte oposição dos Estados Unidos, da União Europeia, do Japão e do Reino Unido, a resolução que dá início à construção de um tratado juridicamente vinculante contra os abusos aos direitos humanos cometidos pelas transnacionais foi aprovada, gerando aplausos espontâneos fato raro nas convencionais reuniões da ONU.
O projeto de resolução, apresentado em setembro de 2013 por 85 países, com a liderança do Equador e África do Sul, recebeu 20 votos a favor, 14 contra e 13 abstenções entre elas a do Brasil, único país dos BRICS a omitir-se no apoio às normas que restringem o poder das transnacionais. A iniciativa pode contribuir para colocar um fim à impunidade de que se beneficiam essas empresas e garantir o acesso à justiça para suas vítimas.
Antes da votação, realizada na 26ª sessão do CHU da ONU, Equador e África do Sul enfatizaram o apoio sem precedentes de centenas de organizações da sociedade civil à resolução. Nas palavras do embaixador equatoriano: devemos agradecer as mais de 500 organizações da sociedade civil que formaram uma coalizão para exigir os direitos das vítimas e apoiaram nossos esforços. Sem elas, nada disto seria possível.
A entrevista a seguir, realizada com os ativistas Brid Brennan e Gonzalo Berron, do Transnational Institute (TNI), dias antes do CHU votar favoravelmente às novas regras, ajudam a entender como organizações do mundo inteiro engajaram-se numa campanha internacional vitoriosa para desmantelar o poder das transnacionais.
Vocês afirmam tratar-se de uma oportunidade histórica de iniciar a negociação de um tratado vinculativo que incide sobre as empresas transnacionais no quadro do Conselho dos direitos humanos das Nações Unidas (CDH). Podem explicar por quê?
Depois de décadas, populações de todo o mundo, submetidas a violações sistemáticas e persistentes dos direitos humanos e às consequências dos crimes econômicos e ecológicos ligados às atividades das empresas, sem acesso à justiça, pedem regras vinculativas sobre as operações das empresas transnacionais.
O longo silêncio em torno da necessidade de criar-se disposições obrigatórias para enquadrar a atividade das transnacionais foi quebrado em setembro de 2013, quando 85 Estados, encabeçados pelo Equador [e pela África do Sul], introduziram uma resolução na agenda do Conselho dos direitos humanos das Nações Unidas. Essa resolução responde a uma falha flagrante nos mecanismos e instituições existentes em favor dos direitos humanos, que não têm poder de impor regras obrigatórias sobre as operações das transnacionais e, portanto, têm fracassado sistematicamente em garantir acesso à justiça às populações afetadas. Essa exigência de regras com poder de justiça tem sido repetidamente encaminhada pela sociedade civil, e é hoje apoiada por mais de 500 movimentos e redes em redor do mundo. Combinada com a resolução aprovada por 85 governos, achamos que podemos chamar este momento uma "oportunidade histórica".
Década de políticas neoliberais internacionais reforçaram os poderes das transnacionais sobre nossas economias, a natureza e nossas próprias vidas. Podem nos explicar como esse poder das corporações se ampliou de forma exponencial, a ponto de atuar com impunidade total?
No decorrer das últimas décadas, assistimos a um processo de concentração acelerada do capital especialmente por meio das fusões e aquisições de empresas que levou à consolidação do modelo neoliberal, processo reforçado pelo fim da guerra fria, que funcionava como um obstáculo à expansão do grande capital.
Essa tendência de crescimento do capital intensificou-se de modo agressivo através de múltiplos tratados de livre comércio (TLC) e acordos de investimentos (TBI), desde 1989, com o TLC Canadá-EUA. Os termos desses acordos são fixados pelas transnacionais, que exigem a liberação dos mercados, o acesso às matérias-primas e a privatização dos serviços públicos, como podemos ver pelas negociações do grande mercado transatlântico (TAFTA) entre os Estados Unidos e a União Europeia, ou pelo projeto de acordo transpacífico (TPP), que envolve os Estados Unidos e países asiáticos, além de países latino-americanos da costa do Pacífico.
Esses acordos comerciais e de investimento, assim como as políticas da OMC e das outras instituições financeiras internacionais (FMI e Banco Mundial), instituíram marcos legais que garantem proteção unilateral às atividades das transnacionais (incluindo o direito de processar os governos por perda real ou suposta de lucros, ou de exigir mudanças na legislação ambiental), mas que não impõem a eles nenhuma obrigação. Em termos dos impactos sobre as populações afetadas, essas proteções jurídicas unilaterais instituem o que chamamos de arquitetura da impunidade. Nesse sentido, seus governos foram cúmplices ao não defender o interesse público ou dos seus cidadãos. As transnacionais continuaram, portanto, a cometer violações sistemáticas aos direitos humanos e trabalhistas, e a devastar o meio ambiente.
Além disso, as novas tecnologias e a financeirização crescente do capitalismo deram às transnacionais possibilidades sem precedentes de expansão por todo o planeta, e em todos os aspectos de nossas vidas. As crises, múltiplas e conectadas, como as crises econômica e ecológica, mas sobretudo a crise financeira de 2008, mostram os limites desse modelo capitalista, e como as multinacionais aproveitam-se dos períodos de turbulência. O processo de concentração do capital intensificou-se durante a crise, envolvendo distribuição profundamente assimétrica da riqueza, na qual indivíduos e empresas ricos tornaram-se muito mais ricos e os pobres ficaram mais pobres, em todas as regiões do mundo.
Ao tornarem-se econômica e politicamente mais fortes, as grandes corporações transnacionais podem cada vez mais operar com impunidade total nos países pobres e nos países em desenvolvimento do Sul global, mas também, mais recentemente, nos países do Norte. Em suas atividades, elas continuam a violar todo o espectro de direitos humanos. Fazem isso direto: os direitos dos trabalhadores são violados todos os dias, embora só as grandes tragédias vão parar nas manchetes - como o caso de Rana Plaza, em Bangladesh (onde 1.100 trabalhadores morreram) ou de Marikana, na África do Sul (onde 31 mineiros foram alvejados).
As transnacionais também violam o simples direito de subexistência, como no caso da apropriação generalizada de terras ou pela poluição sistemática cometida por empresas petrolíferas como Shell e Total, na Nigéria, e Chevron no Equador. Essas violações dos direitos humanos são, não apenas sistemáticas, mas realizadas com total impunidade. Trinta anos depois de um dos maiores desastres industriais do mundo o da Union Carbide / Dow Chemical em Bhopal, na Índia a justiça ainda não foi feita para as famílias daqueles que morreram, e a geração seguinte ainda sofre os efeitos da poluição ambiental.
Aproveitando-se de seus direitos de investidores adquiridos com as ALE, os acordos internacionais de investimento e os acordos da OMC, as transnacionais conseguem escapar à responsabilidade e ditam os preços e os lucros de suas atividades. Seus lucros subiram rapidamente, beneficiando-se dos direitos de propriedade intelectual, que são barreiras ao acesso aos medicamentos genéricos. As multinacionais também se beneficiam da crescente privatização dos sistemas de saúde e educação pública, e da mercantilização e comercialização do acesso à água e outros bens públicos.
Essas profundas transformações de nossas sociedades não marcam apenas o estabelecimento de um modelo de negócios favorável ao business. Eles também deram lugar a uma nova configuração do poder político e do papel do Estado. Há uma compreensão popular crescente do domínio dos interesses do setor privado sobre as decisões políticas. Organizações de lobby pró-empresas são capazes de usurpar a função dos governos eleitos em instituições nacionais e internacionais para curvá-los à sua vontade.
No caso dos países pobres ou dos países em desenvolvimento, a assimetria de poder é imensa, e os sistemas de direito nacional foram prejudicados e tornaram-se incapazes de defender o povo dos crimes e violações das empresas. Em numerosos casos, as leis foram adaptadas para favorecer as operações das transnacionais ou para proteger os direitos dos investidores, à custa dos direitos fundamentais das pessoas. As decisões tomadas pelos tribunais e as juridições nacionais são ignoradas, não executadas ou completamente rejeitadas pelas transnacionais, como no caso da Chevron no Equador, onde a empresa com sede na Califórnia se recusou a cumprir uma decisão da justiça equatoriana que a obrigava a pagar US $ 9,5 bilhões em danos.
No entanto, enquanto o poder corporativo está crescendo exponencialmente e tem sido capaz de consolidar seus privilégios em marcos legais, as novas conjuntura formada por este amplo espectro de governos do Sul, combinada a fortes campanhas das populações afetadas e de movimentos sociais confrontados com o poder do setor privado, permitiram desenvolver uma forte sustentação a regras vinculativas sobre as transnacionais.
Além disso, as batalhas cidadãs contra as corporações, sobre a água por exemplo, continuaram a se propagar a partir de cidades do Sul como Cochabamba e Manila, até lutas crescentes contra a privatização da água na Europa. Trata-se especialmente das lutas em Tessalônica, relativas ao referendo sobre a água na Itália, ou da Iniciativa de Cidadania Europeia (ICE), na qual a Federação Sindical Europeia dos Serviços Públicos (FSESP) iniciou campanha com 1.884.790 assinaturas dizendo "Não à privatização da água" na Europa.
Como tal tratado, no quadro do Conselho dos direitos humanos da ONU, pode limitar os poderes das transnacionais obtidos junto à OMC, às ALE e acordos de investimento? Como isso poderia funcionar? Esse tratado seria mais eficaz do que as medidas de responsabilidade social corporativa e muitos acordos que têm sido desenvolvidos em escala global?
O processo que poderá ser aberto em Junho em Genebra visa negociar um Tratado para obrigações vinculantes sobre as transnacionais, incluindo a criação de um órgão com poder para impor multas e proporcionar o acesso à justiça para as populações afetadas. Neste estágio, o que se demanda do Conselho dos direitos humanos é instituir um grupo de trabalho intergovernamental dotado de um mandato com prazo indeterminado para iniciar o processo de estabelecer um tratado vinculativo. Ele ainda é um processo muito novo e aberto.
Mas tal tratado vinculante, com um instrumento para sua aplicação, certamente vai reduzir a capacidade das multinacionais de violar os direitos humanos impunemente. Esse instrumento permitirá às populações e pessoas afetadas o acesso à justiça hoje eles não têm acesso a um processo jurídico equitativo, em nível nacional e internacional.
Os dispositivos internacionais de que dispomos até o momento (os princípios diretivos da ONU, as recomendações da OCDE, a declaração de princípios da OIT sobre as empresas multinacionais e a política social MNE, o Pacto Global etc) são todos não vinculantes. Fazem parte do domínio da soft law e são, portanto, incapazes de fazer justiça. Na verdade, esses dispositivos servem de cortina de fumaça aos nossos olhos, pois não há uma verificação independente de sua implementação. Além disso, a documentação acumulada nesse terreno pelas populações afetadas mostra que intensificaram-se as violações dos direitos humanos, trabalhistas e normas ambientais pelas transnacionais, o que demonstra a ineficácia de tais acordos voluntários. A responsabilidade social empresaria (RSE) é promovida principalmente como um exercício de propaganda pelas transnacionais, um método para mostrar ao público uma imagem mais simpática, e menos onerosa do que a publicidade tradicional.
Não é a primeira vez que tentamos introduzir normas restritivas sobre a ação das transnacionais. Por que deve funcionar desta vez? Que tipo de mobilização cidadã vocês esperam conseguir com esse objetivos, uma vez que uma discussão internacional desse tipo pode ser considerada distante do que se passa em nível da realidade?
Embora tenha havido várias tentativas ao longo dos anos 1970 e 1990 na ONU, para elaborar uma norma vinculante do tipo hard law, sobre as corporações transnacionais, é a primeira vez que 85 governos colocam-se de acordo sobre uma demanda conjunta. () Do nosso ponto de vista, e a partir da experiência de vários anos de trabalho de documentação e mobilização de solidariedade às populações afetadas, a demanda por uma ação internacional é muito forte nesse tema.
De outro lado, reforçaram-se a experiência e a capacidade de ligar as demandas globais às lutas locais ou elaborar estratégias comuns no quadro da luta contra uma corporação em particular. Por exemplo, durante a audiência do tribunal permanente dos povos preparado para a votação em Genebra, os representantes de populações locais de cinco países testemunharam juntos contra a transnacional Glencore e suas atividades nas Filipinas, no Peru, na Colômbia, em Zâmbia, na República Democrática do Congo. Algumas dessas comunidades vêm de Estados membros do Conselho dos Direitos Humanos. Isso por certo dá um novo peso ao debate, uma vez que as populações afetadas se expressam por si mesmas, tanto na arena nacional quanto no âmbito internacional, e se expressam determinadas a colocar um fim à impunidade dessas corporações.
Até o presente, a comunidade internacional fracassou nas tentativas de limitar o poder das corporações, apesar da tomada de consciência pública crescente dos abusos inaceitáveis do poder político e econômico exercido por esses grandes atores econômicos. A destruição dos meios de subexistência e do meio ambiente causados pelo modelo extrativista de produção dos combustíveis fósseis, dos minerais e de outros recursos naturais o demonstram diariamente. Além disso, a crise econômica e financeira detonada em 2008 colocou em evidência o abismo existente entre os grandes bancos e corporações, de um lado, e os cidadãos, de outro aquilo que o movimento Occupy denomina os 1% e os 99%. (...)
Com diferentes organizações nacionais e internacionais, movimentos sociais, sindicatos, grupos de base e diferentes redes, vocês lançaram uma campanha mundial para desmantelar o poder das corporações e colocar um fim à impunidade. Nessa campanha, promovem um tratado internacional dos povos. Por que isso? Seria a prefiguração do tratado no quadro do Conselho de Direitos Humanos?
Em junho de 2012, durante o fórum Rio+20, foi lançada a Campanha mundial para desmantelar o poder das transnacionais. Essa iniciativa se traduziu em um ano inteiro de consultas às populações afetadas no mundo, de movimentos e redes fazendo campanha e buscando justiça face às violações dos direitos humanos e a criminalização das empresas.
Numerosas organizações envolvidas nessa campanha trabalharam no quadro do Tribunal Permanente dos Povos durante o período 2006-2010 e documentaram amplamente os crimes econômicos e ecológicos das empresas e as violações generalizadas dos direitos do homem, quaisquer que sejam as principais áreas de atividade das empresas transnacionais: os serviços públicos, a água, os alimentos, a terra e a agricultura, a energia, as minas, o meio ambiente, o mundo do trabalho e das finanças.
Ficou muito claro que essas violações se desenrolam no quadro de uma arquitetura da impunidade e da legitimação fornecida pelo regime de comércio internacional e de investimentos, que aumentou os direitos dos investidores, em oposição aos direitos dos cidadãos e dos governos que defendem políticas públicas e de interesse público. Além disso, enquanto as populações afetadas não têm nenhum recurso ou acesso à justiça, as empresas podem processar os governos por grandes somas de dinheiro perante tribunais, como o Centro Internacional para a Resolução
de Conflitos sobre Investimentos (CIRCI- ICSID), pela utilização do mecanismo de resolução de controvérsias investidor-Estado, ou defender seus interesses por meio do mecanismo de solução de conflitos da OMC.
O desenvolvimento do Tratado dos Povos é um elemento-chave da estratégia da Campanha, fornecendo tanto o processo político para desenvolver uma estratégia sobre como desmantelar o poder corporativo e pôr fim à sua impunidade como o espaço para articular e tornar visíveis as soluções alternativas. As propostas jurídicas que ele contém podem, em alguns casos, contribuir para a elaboração de um tratado vinculante no âmbito do Conselho de Direitos Humanos, enquanto a elaboração de alternativas visa a enraizar uma nova visão do mundo através da ação transformadora em que se constituem os confrontos com o setor privado. Acreditamos que as pessoas são as protagonistas das mudanças, que vão além do instrumento jurídico de um tratado vinculante sobre as corporações transnacionais. (...)
Brid Brennan, irlandesa, é uma das coordenadoras do Instituto Transnacional (TNI), trabalhando particularmente com comércio internacional e o papel das multinacionais.
Gonzalo Berrón, argentino, é pesquisador associado do Instituto Transnacional (TNI), especialista em políticas comerciais, e foi muito ativo nos movimento latino-americanos sobre este tema.
Pesquisa da Fundação Perseu Abramo mostra que a maioria da população (89%) é favorável à Reforma Política e que 75% a consideram muito importante. Mostra também que falta clareza técnico-política: as respostas referem-se a combate à corrupção (15%) e privilégios (26%), mais controle social e melhor escolha de representantes (27%); outras referem-se a melhores políticas de saúde, segurança, salarial, educacional, etc . Essa confusão pode ser observada até mesmo entre lideranças de movimentos sociais, que pensam que mais de 1,5 milhão de assinaturas tornam obrigatório o resultado do plebiscito popular. Diante dessa desinformação, é preciso ter claro o que busca cada proposta.
Projeto da Coalizão Democrática
O Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Reforma Política, nasceu do convite da CNBB a entidades da sociedade civil que hoje chegam a quase 100. Para agregar tantas entidades, a proposta teve que limitar-se a pontos consensuais e não proíbe coligações em eleições proporcionais, como é desejo de muitos. Em compensação traz pelo menos uma inovação de grande importância: a regulamentação das doações para campanhas eleitorais. Vejamos rapidamente o conjunto de propostas desse projeto de lei:
a. Proibição do financiamento de campanha por empresa. Instauração do financiamento democrático de campanha, constituído do financiamento público e de contribuição de pessoa física limitada a R$ 700,00.
b. Adoção do sistema de voto transparente pela introdução de dois turnos de votação também nas eleições proporcionais (deputados e vereadores): o eleitor vota primeiramente no partido e depois escolhe um dos nomes da lista;
c. Alternância de gênero nas listas de candidatos do item anterior;
d. Regulamentação dos instrumentos da Democracia Participativa, reduzindo-se as exigências para a sua realização e facilitando-se sua tramitação no Congresso;
e. Fortalecimento e democratização dos partidos, para impor programas partidários efetivos e vinculantes;
f. Aumento da participação política de afrodescendentes e indígenas;
g. Criação de instrumentos que assegurem equilíbrio do pleito entre todos os partidos e candidatos.
Merece especial atenção a proposta de regulamentação das doações.
Na atual situação, qualquer empresa pode contribuir financeiramente para custear campanhas eleitorais. Torna-se um bom negócio para a empresa ajudar candidatos que depois de eleitos vão lhe prestar serviços dentro do governo ou defender seus interesses no Parlamento. Basta lembrar a liberação de agrotóxicos, de mineração e de remédios, a especulação urbana, a isenção fiscal ao agronegócio, o favorecimento a empreiteiras de obras públicas e a política de juros altos. Por isso se diz que empresário não faz doações, faz investimentos. Essa promiscuidade entre o interesse público e interesses privados é imoral e tende a descambar para a corrupção.
Além disso, o financiamento das campanhas por empresas eleva muito o seu custo, porque o dinheiro sai do caixa da empresa e não do bolso do empresário. A revista Carta capital de 22/03/2014 traz o exemplo da Oi. Entre seus acionistas está, além de fundos estatais como BNDESPar, Previ e Funcef, a Andrade Gutierrez (representada pela AG Telecom), umas das empreiteiras que mais faz doação de campanha. Para se ter uma ideia dos valores envolvidos, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) a construtora doou para campanhas do PMDB de Eduardo Cunha (que puxou a oposição ao marco civil da internet) um total de R$ 20,6 milhões em 2010 e R$ 14,8 milhões em 2012.
Há então flagrante contradição: pessoas jurídicas, que não têm direito a voto, de fato influem muito mais no resultado das eleições do que quem, ao votar, exerce o direito de cidadania. Essa contradição foi levada ao Supremo Tribunal Federal pela Ordem dos Advogados do Brasil sob a forma de ação direta de inconstitucionalidade. No dia 2 de abril o STF julgou a ação. Vale a pena transcrever parte do voto do ministro Marco Aurélio:
Segundo dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral, nas eleições de 2010, um deputado federal gastou, em média, R$ 1,1 milhão, um senador, R$ 4,5 milhões, e um governador, R$ 23,1 milhões. A campanha presidencial custou mais de R$ 336 milhões. Nas eleições municipais de 2012, segundo recente contabilização do Tribunal, teriam sido gastos incríveis 6 bilhões de reais. Apontou-se que os maiores financiadores são empresas que possuem contratos com órgãos públicos. O setor líder é o da construção civil, tendo contribuído com R$ 638,5 milhões, seguido da indústria de transformação, com R$ 329,8 milhões, e do comércio, com R$ 311,7 milhões.
Embora a votação tenha sido suspensa por interferência do juiz Gilmar Mendes, o resultado já está definido: a maioria do STF (os 6 votos já proferidos) são pela inconstitucionalidade das doações de empresas. A notícia é ótima mas ainda não significa a vitória final da proposta, porque já corre no Congresso um movimento para mudar a Constituição e tornar legal aquela prática. Nesse contexto, o projeto de Lei de Iniciativa Popular torna-se ainda mais importante, porque impedirá essa tentativa de retrocesso legal.
A proposta de plebiscito popular
A proposta da Plenária Nacional dos Movimentos Sociais Brasileiros visa realizar um plebiscito popular sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte exclusivamente para fazer a Reforma Política. Embora não tenha valor jurídico, por não ser reconhecido oficialmente, o plebiscito tem força moral quando recolhe um número significativo de votos. Basta lembrar o resultado positivo dos plebiscitos populares sobre a Dívida Externa e sobre a ALCA, que se converteram em força de pressão da sociedade sobre o governo. Também este poderá ser um valioso instrumento em favor da convocação de uma Assembleia Constituinte capaz de fazer a Reforma Política sem submeter-se aos interesses corporativos dos membros do Congresso Nacional .
Além disso, a mobilização para o Plebiscito Popular é uma excelente oportunidade para fazer-se o trabalho de educação política de massa, esclarecendo à população como funciona o Congresso, como se dá o processo eleitoral, para que servem os partidos políticos, e outros temas relevantes. Até a semana do 7 de setembro esse trabalho educativo deve mobilizar os Movimentos Sociais, de modo a obter um bom resultado em termos de votos.
Conclusão
As duas propostas se complementam. A primeira busca efetividade, pois projeto de lei de iniciativa popular respaldado por quase 2 milhões de assinaturas tem muito peso no Congresso. A segunda promove a conscientização política, trazendo para toda a sociedade o debate de questões que a mídia insiste em esconder ou deturpar. Se não há contradição entre elas, a hora é de unir forças e evitar qualquer desqualificação dessas propostas.
A distância entre ricos e pobres marca São Paulo em todas as dimensões do espaço.
Na dimensão horizontal, o caminhante tropeça com as fronteiras mais conhecidas das cidades brasileiras: as que separam favelas e luxuosos bairros de condomínios.
Todavia, qualquer que seja o ponto onde o caminhante se encontre, é a dimensão vertical a que demonstra, sem interrupções, a divisão social da cidade: aos ônibus lotados se sobrepõe o voo contínuo dos helicópteros.
Aqui os ricos não viajam de táxi, mas de helicóptero. São Paulo já supera Nova York como a cidade do mundo com mais aeronaves registradas.
Como contou o jornalista Juan Arias que um milionário local celebrou, há alguns meses, seu aniversário em uma fazenda fora da cidade. Foram tantos os convidados que anunciaram sua chegada em helicópteros que o anfitrião teve que contratar uma equipe de controladores aéreos para coordenar as aterrissagens.
Nesta metrópole, que cresceu de 300 mil para 20 milhões de habitantes em apenas um século, ir da casa para o trabalho se tornou uma penitência cotidiana para milhões de pessoas que se espremem em ônibus e vagões de metrô. Agora São Paulo registra 280 quilômetros de congestionamento, anunciava esta manhã uma emissora local.
A disparidade nas infraestruturas de que ricos e pobres desfrutam é arrepiante: São Paulo conta com 65 estações de metrô (em Madri, cidade cinco vezes menor, são 300), mas tem 450 helicópteros.
São Paulo é uma cidade com dois universos sem interseção alguma, separados por 500 metros na vertical.
A campanha pelas TTF demanda uma taxa sobre as transações financeiras internacionais mercados de câmbio, ações e derivativos. Com alíquotas menores que 1%, elas incidirão sobre um volume astronômico de recursos pois esses mercados giram trilhões de dólares por dia.
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